EUR-Lex Access to European Union law

Back to EUR-Lex homepage

This document is an excerpt from the EUR-Lex website

Document 32011L0036

Directiva 2011/36/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de Abril de 2011 , relativa à prevenção e luta contra o tráfico de seres humanos e à protecção das vítimas, e que substitui a Decisão-Quadro 2002/629/JAI do Conselho

OJ L 101, 15.4.2011, p. 1–11 (BG, ES, CS, DA, DE, ET, EL, EN, FR, IT, LV, LT, HU, MT, NL, PL, PT, RO, SK, SL, FI, SV)
Special edition in Croatian: Chapter 19 Volume 013 P. 180 - 190

Legal status of the document In force

ELI: http://data.europa.eu/eli/dir/2011/36/oj

15.4.2011   

PT

Jornal Oficial da União Europeia

L 101/1


DIRECTIVA 2011/36/UE DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO

de 5 de Abril de 2011

relativa à prevenção e luta contra o tráfico de seres humanos e à protecção das vítimas, e que substitui a Decisão-Quadro 2002/629/JAI do Conselho

O PARLAMENTO EUROPEU E O CONSELHO DA UNIÃO EUROPEIA,

Tendo em conta o Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, nomeadamente o n.o 2 do artigo 82.o e o n.o 1 do artigo 83.o,

Tendo em conta a proposta da Comissão Europeia,

Tendo em conta o parecer do Comité Económico e Social Europeu (1),

Após consulta ao Comité das Regiões,

Após transmissão do projecto da proposta aos parlamentos nacionais,

Deliberando de acordo com o processo legislativo ordinário (2),

Considerando o seguinte:

(1)

O tráfico de seres humanos constitui um crime grave, cometido frequentemente no quadro da criminalidade organizada, e uma violação grosseira dos direitos humanos fundamentais expressamente proibida pela Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. A prevenção e o combate ao tráfico de seres humanos constituem prioridades da UE e dos Estados-Membros.

(2)

A presente directiva faz parte de uma acção global contra o tráfico de seres humanos que inclui a participação de países terceiros, tal como indica o «Documento orientado para a acção com vista a reforçar a dimensão externa da União em matéria de luta contra o tráfico de seres humanos: para uma acção da União à escala mundial contra o tráfico de seres humanos», aprovado pelo Conselho a 30 de Novembro de 2009. Neste contexto, deverão ser desenvolvidas acções em países terceiros que são pontos de origem e transferência das vítimas, visando em especial sensibilizar, reduzir a vulnerabilidade, apoiar e dar assistência às vítimas, combater as causas profundas do tráfico e ajudar esses países terceiros a desenvolver legislação adequada de luta contra o tráfico.

(3)

A presente directiva reconhece que o tráfico é um fenómeno com aspectos específicos conforme o sexo e que os homens e as mulheres são objecto de tráfico para diferentes fins. Por este motivo, as medidas de assistência e apoio deverão ser diferenciadas por sexo, sempre que oportuno. Os factores de «dissuasão» e «incentivo» podem ser diferentes conforme os sectores em questão, como seja o tráfico de seres humanos na indústria do sexo ou para exploração laboral, por exemplo, na construção civil, na agricultura ou no trabalho doméstico.

(4)

A União está empenhada na prevenção e luta contra o tráfico de seres humanos e na protecção dos direitos das pessoas vítimas desse tráfico. Para o efeito, foi adoptada a Decisão-Quadro 2002/629/JAI do Conselho, de 19 Julho 2002, relativa à luta contra o tráfico de seres humanos (3), bem como um Plano da UE sobre as melhores práticas, normas e procedimentos para prevenir e combater o tráfico de seres humanos (4). Além disso, o Programa de Estocolmo — Uma Europa aberta e segura que sirva e proteja os cidadãos (5), aprovado pelo Conselho Europeu, atribui uma clara prioridade à luta contra o tráfico de seres humanos. Deverão ainda ser encaradas outras medidas, como o apoio ao desenvolvimento de indicadores gerais comuns na União para a identificação de vítimas do tráfico, mediante o intercâmbio das boas práticas entre todos os interessados, sobretudo os serviços sociais públicos e privados.

(5)

As autoridades responsáveis pela aplicação da lei dos Estados-Membros deverão continuar a cooperar no reforço da luta contra o tráfico de seres humanos. A este respeito, é essencial a cooperação transfronteiriça, incluindo a partilha de informações e de boas práticas, bem como a continuação do diálogo aberto entre as autoridades policiais, judiciárias e financeiras dos Estados-Membros. A coordenação das investigações e acções penais relativas aos casos de tráfico de seres humanos deverá ser facilitada por uma maior cooperação entre a Europol e a Eurojust, a criação de equipas de investigação conjuntas e pela aplicação da Decisão-Quadro 2009/948/JAI do Conselho, de 30 de Novembro de 2009, relativa à prevenção e resolução de conflitos de exercício de competência em processo penal (6).

(6)

Os Estados-Membros deverão incentivar e agir em estreita colaboração com organismos da sociedade civil, incluindo organizações não governamentais reconhecidas e activas no domínio do apoio às pessoas traficadas, em especial em matéria de iniciativas políticas, campanhas de informação e sensibilização, programas de investigação, ensino e formação, bem como no acompanhamento e avaliação do impacto das medidas antitráfico.

(7)

A presente directiva adopta uma abordagem integrada, respeitadora dos direitos humanos e global da luta contra o tráfico de seres humanos e, na sua aplicação, deverão ser tidas em consideração a Directiva 2004/81/CE do Conselho, de 29 de Abril de 2004, relativa ao título de residência concedido aos nacionais de países terceiros que sejam vítimas do tráfico de seres humanos ou objecto de uma acção de auxílio à imigração ilegal, e que cooperem com as autoridades competentes (7), e a Directiva 2009/52/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 18 de Junho de 2009, que estabelece normas mínimas sobre sanções e medidas contra os empregadores de nacionais de países terceiros em situação irregular (8). Entre os principais objectivos da presente directiva, contam-se uma prevenção e repressão mais rigorosas e a protecção dos direitos das vítimas. A presente directiva adopta igualmente concepções contextuais das diferentes formas de tráfico e visa assegurar que cada uma das formas seja combatida através das medidas mais eficazes.

(8)

As crianças são mais vulneráveis do que os adultos e, por esta razão, existe um maior risco de se tornarem vítimas do tráfico de seres humanos. Na aplicação da presente directiva, o superior interesse do criança deve constituir a principal consideração, nos termos da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança de 1989.

(9)

O Protocolo das Nações Unidas de 2000 relativo à Prevenção, à Repressão e à Punição do Tráfico de Pessoas, em especial de Mulheres e Crianças, adicional à Convenção contra a Criminalidade Organizada Transnacional, e a Convenção do Conselho da Europa de 2005 relativa à Luta contra o Tráfico de Seres Humanos, foram passos cruciais no processo de reforçar a cooperação internacional contra o tráfico de seres humanos. Note-se que a Convenção do Conselho da Europa contém um mecanismo de avaliação, constituído por um Grupo de peritos sobre o Tráfico de Seres Humanos (GRETA) e pelo Comité das Partes. Deverá ser incentivada a coordenação entre as organizações internacionais com competência no domínio do combate ao tráfico de seres humanos, a fim de evitar a duplicação de esforços.

(10)

A presente directiva não prejudica o princípio da não repulsão nos termos da Convenção de 1951 relativa ao Estatuto dos Refugiados (Convenção de Genebra) e respeita o disposto no artigo 4.o e no n.o 2 do artigo 19.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.

(11)

A fim de responder à evolução recente do fenómeno do tráfico de seres humanos, a presente directiva adopta um conceito mais amplo de tráfico de seres humanos do que a Decisão-Quadro 2002/629/JAI, passando a incluir novas formas de exploração. No contexto da presente directiva, a mendicidade forçada deverá ser entendida como uma forma de trabalho ou serviços forçados, tal como definidos na Convenção n.o 29 da OIT de 1930 sobre o Trabalho Forçado ou Obrigatório. Por conseguinte, a exploração da mendicidade, incluindo a utilização de uma pessoa traficada e dependente na mendicidade, só é abrangida pelo âmbito da definição do tráfico de seres humanos quando estejam reunidos todos os elementos do trabalho ou serviços forçados. À luz da jurisprudência relevante, a validade do eventual consentimento dado à prestação desse trabalho ou desses serviços deverá ser avaliada caso a caso. Contudo, quando esteja em causa uma criança, o eventual consentimento nunca deverá ser considerado válido. A expressão «exploração de actividades criminosas» deverá ser entendida como a exploração de uma pessoa com vista, nomeadamente, à prática de pequenos furtos ou roubos, tráfico de droga e outras actividades semelhantes que sejam puníveis e lucrativas. A definição também abrange o tráfico de seres humanos para efeitos de remoção de órgãos, que constitui uma grave violação da dignidade humana e da integridade física, bem como outras condutas como, por exemplo, a adopção ilegal ou o casamento forçado, na medida em que sejam elementos constitutivos do tráfico de seres humanos.

(12)

O nível das sanções previstas na presente directiva reflecte a preocupação crescente que existe entre os Estados-Membros relativamente ao desenvolvimento do fenómeno do tráfico de seres humanos. É por esta razão que a presente directiva se fundamenta nos níveis 3 e 4 das Conclusões do Conselho de 24 e 25 de Abril de 2002 sobre a abordagem a seguir no que diz respeito à harmonização das sanções. Caso a infracção seja cometida em determinadas circunstâncias, por exemplo, contra uma vítima particularmente vulnerável, a sanção deverá ser agravada. No contexto da presente directiva, entre as pessoas particularmente vulneráveis devem incluir-se, pelo menos, todas as crianças. Outros factores que poderão ser tidos em conta na apreciação da vulnerabilidade da vítima incluem, por exemplo, o sexo, a gravidez, o estado de saúde e a deficiência. Caso a infracção seja especialmente grave, por exemplo, se puser em perigo a vida da vítima, envolver violência grave, como tortura, uso forçado de drogas/medicamentos, violação ou outras formas graves de violência psicológica, física ou sexual, ou de outro modo tiver causado à vítima danos particularmente graves, tal facto deverá traduzir-se numa sanção agravada. Se, no âmbito da presente directiva, for feita referência à entrega, esta referência deverá ser interpretada nos termos da Decisão-Quadro 2002/584/JAI do Conselho, de 13 de Junho de 2002, relativa ao mandado de detenção europeu e aos processos de entrega entre os Estados-Membros (9). A gravidade da infracção cometida poderá ser tida em conta no âmbito da execução da sentença.

(13)

Na luta contra o tráfico de seres humanos, deverá ser feito pleno uso dos instrumentos em vigor em matéria de apreensão e perda a favor do Estado dos produtos do crime, como a Convenção das Nações Unidas contra a Criminalidade Organizada Transnacional e respectivos protocolos, a Convenção do Conselho da Europa de 1990 relativa ao Branqueamento, Detecção, Apreensão e Perda dos Produtos do Crime, a Decisão-Quadro 2001/500/JAI do Conselho, de 26 de Junho de 2001, relativa ao branqueamento de capitais, à identificação, detecção, congelamento, apreensão e perda dos instrumentos e produtos do crime (10), e a Decisão-Quadro 2005/212/JAI do Conselho, de 24 de Fevereiro de 2005, relativa à perda de produtos, instrumentos e bens relacionados com o crime (11). Deverá ser incentivada a utilização dos produtos e instrumentos apreendidos e declarados perdidos a favor do Estado, proveniente das infracções referidas na presente directiva, para fins de assistência e protecção das vítimas, incluindo para a indemnização das vítimas e as acções policiais transfronteiriças de combate ao tráfico na União.

(14)

As vítimas de tráfico de seres humanos deverão, ao abrigo dos princípios fundamentais das ordens jurídicas dos Estados-Membros em causa, ser protegidas da instauração de uma acção penal ou da aplicação de sanções em consequência de actividades criminosas, tais como a utilização de documentos falsos ou a violação da legislação relativa à prostituição ou à imigração, em que tenham sido obrigadas a participar como consequência directa de serem objecto de tráfico. O objectivo desta protecção é salvaguardar os direitos humanos das vítimas, evitar uma vitimização adicional e encorajá-las a testemunhar nos processos penais contra os autores dos crimes. Esta salvaguarda não exclui a acção penal ou a punição das infracções quando alguém voluntariamente tiver cometido essas infracções ou nelas participado.

(15)

Para assegurar o sucesso da investigação e da acção penal nas infracções de tráfico de seres humanos, a instauração do processo não deverá depender, em princípio, de queixa ou de acusação por parte da vítima. Se a natureza do acto o justificar, deverá ser possível instaurar a acção penal durante um período de tempo suficiente após a vítima ter atingido a maioridade. A duração do período de tempo suficiente para instaurar a acção penal deverá ser determinada pelo direito nacional respectivo. Os agentes das forças da ordem e os magistrados do ministério público deverão beneficiar de formação adequada, nomeadamente com vista a melhorar a aplicação do direito internacional e a cooperação judiciária. Os responsáveis pela investigação e pelo exercício da acção penal relativamente a estas infracções deverão igualmente poder recorrer aos instrumentos de investigação utilizados nos casos de criminalidade organizada ou outros crimes graves. Estes instrumentos poderão incluir a intercepção das comunicações, a vigilância discreta, incluindo a vigilância electrónica, a monitorização das contas bancárias e outras investigações financeiras.

(16)

A fim de assegurar a eficácia da acção penal contra os grupos criminosos internacionais cujo centro de actividade se encontre num Estado-Membro e que se dediquem ao tráfico de seres humanos em países terceiros, deverá ser atribuída competência a um Estado-Membro relativamente à infracção de tráfico de seres humanos quando o autor da infracção for nacional desse Estado-Membro e a infracção for cometida fora do território desse Estado-Membro. De igual modo, também deverá ser possível atribuir competência a um Estado-Membro quando o autor da infracção for residente habitual de um Estado-Membro, a vítima for nacional ou residente habitual de um Estado-Membro ou a infracção for cometida em benefício de uma pessoa colectiva estabelecida no território de um Estado-Membro, e a infracção for cometida fora do território desse Estado-Membro.

(17)

Embora a Directiva 2004/81/CE preveja a emissão de uma autorização de residência para as vítimas do tráfico de seres humanos que sejam nacionais de países terceiros e a Directiva 2004/38/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de Abril de 2004, relativa ao direito de livre circulação e residência dos cidadãos da União e dos membros das suas famílias no território dos Estados-Membros (12), regule o exercício do direito de livre circulação e residência dos cidadãos da União e dos membros das suas famílias no território dos Estados-Membros, incluindo a protecção contra o afastamento, a presente directiva estabelece medidas de protecção específicas para qualquer vítima do tráfico de seres humanos. Assim, a presente directiva não aborda as condições relativas à residência das vítimas do tráfico de seres humanos no território dos Estados-Membros.

(18)

É necessário que as vítimas de tráfico de seres humanos possam exercer eficazmente os seus direitos. Por conseguinte, as vítimas deverão dispor de assistência e apoio antes, durante e, por um período adequado, após a conclusão do processo penal. Os Estados-Membros deverão disponibilizar recursos destinados à assistência, apoio e protecção das vítimas. A prestação de assistência e apoio deverá incluir, pelo menos, um conjunto mínimo de medidas necessárias para que a vítima possa recuperar e escapar aos traficantes. A aplicação prática destas medidas deverá ter em conta, com base numa avaliação individual efectuada segundo os procedimentos nacionais, as circunstâncias, o contexto cultural e as necessidades da pessoa em causa. Deverá ser prestada assistência e apoio às vítimas em relação às quais haja indicação de existirem motivos razoáveis para crer que possam ter sido vítimas de tráfico, e independentemente da sua vontade de deporem como testemunhas. No caso de a vítima não residir legalmente no Estado-Membro em causa, a assistência e o apoio deverão ser prestados incondicionalmente, pelo menos durante o prazo de reflexão. Concluído o processo de identificação ou decorrido o prazo de reflexão, caso se considere que a vítima não tem direito a autorização de residência ou a estabelecer legalmente residência no país, ou se a vítima tiver deixado o território do Estado-Membro, o Estado-Membro em causa não é obrigado a continuar a prestar-lhe assistência e apoio por força da presente directiva. Se necessário, deverá continuar a ser prestada assistência e apoio por um período de tempo adequado após a conclusão do processo penal, por exemplo, se estiverem em curso tratamentos médicos motivados pelas consequências físicas ou psicológicas graves do crime ou se houver um risco para a segurança da vítima por esta ter testemunhado no processo penal.

(19)

A Decisão-Quadro 2001/220/JAI do Conselho, de 15 de Março de 2001, relativa ao estatuto da vítima em processo penal (13), estabelece um conjunto de direitos das vítimas em processo penal, incluindo o direito a protecção e a indemnização. Além disso, as vítimas de tráfico de seres humanos deverão ter acesso sem demora a aconselhamento jurídico e, de acordo com o papel da vítima no sistema judicial respectivo, acesso a patrocínio judiciário, nomeadamente para efeitos de pedidos indemnizatórios. Esse aconselhamento jurídico e patrocínio judiciário pode também ser prestado pelas autoridades competentes para efeitos de pedido de indemnização ao Estado. O objectivo do aconselhamento jurídico é permitir que as vítimas sejam informadas e aconselhadas acerca das várias possibilidades que lhes são proporcionadas. O aconselhamento jurídico deverá ser prestado por uma pessoa que tenha recebido formação jurídica apropriada, não tendo necessariamente de ser um jurista. O aconselhamento jurídico e, de acordo com o papel da vítima no sistema judicial respectivo, o acesso ao patrocínio judiciário deverão ser gratuitos, pelo menos no caso de a vítima não dispor de recursos financeiros suficientes, em moldes compatíveis com os procedimentos dos Estados-Membros. Dada a especial improbabilidade de as crianças vítimas de tráfico possuírem esses recursos, na prática o aconselhamento jurídico e o patrocínio judiciário ser-lhes-ão prestados a título gratuito. Além disso, com base numa avaliação individual dos riscos a efectuar segundo os procedimentos nacionais, as vítimas deverão ser protegidas dos actos de retaliação ou intimidação e do risco de voltarem a ser objecto de tráfico.

(20)

As vítimas de tráfico que já sofreram os abusos e tratamentos degradantes habitualmente associados ao tráfico, como a exploração sexual, os abusos sexuais, a violação, práticas esclavagistas ou remoção de órgãos, deverão ser protegidas da vitimização secundária e de novos traumas durante o processo penal. A repetição desnecessária de inquirições durante a investigação, o inquérito e a instrução, e o julgamento deverá ser evitada, por exemplo, se for caso disso, mediante a gravação em vídeo dessas inquirições numa fase inicial do processo. Para o efeito, durante a investigação criminal e o processo penal, deverá ser dispensado às vítimas de tráfico um tratamento adequado às suas necessidades individuais. A avaliação das suas necessidades individuais deverá ter em conta determinadas circunstâncias como a idade, a eventual gravidez, o seu estado de saúde, deficiências de que sejam portadores ou outras circunstâncias pessoais, bem como as consequências físicas e psicológicas da actividade criminosa a que a vítima foi sujeita. A decisão sobre a necessidade e a forma como será dispensado esse tratamento deverá ser tomada caso a caso, segundo as condições definidas no direito nacional, nas regras relativas ao exercício do poder discricionário por parte das autoridades judiciais, nas práticas e orientações judiciais.

(21)

As medidas de assistência e apoio deverão ser prestadas às vítimas numa base consensual e informada. As vítimas deverão, portanto, ser informadas dos aspectos importantes de tais medidas, não devendo estas ser-lhes impostas. A recusa das medidas de assistência ou apoio por parte da vítima não deverá implicar a obrigação por parte das autoridades competentes dos Estados-Membros em causa de proporcionarem medidas alternativas.

(22)

Além das medidas que estão disponíveis a todas as vítimas de tráfico de seres humanos, os Estados-Membros deverão assegurar a existência de medidas específicas de assistência, apoio e protecção para as vítimas crianças. Essas medidas deverão ser tomadas no superior interesse da criança, nos termos da Convenção das Nações Unidas de 1989 sobre os Direitos da Criança. Se a idade da vítima de tráfico for incerta e se houver motivos para crer que tem menos de 18 anos, deverá presumir-se que se trata de uma criança e facultar-lhe de imediato assistência, apoio e protecção. As medidas de assistência e apoio a vítimas crianças deverão visar a sua recuperação física e psicossocial, bem como uma solução duradoura para essas pessoas. O acesso à educação contribuirá para a reintegração da criança na sociedade. Dado que as crianças vítimas de tráfico são particularmente vulneráveis, deverá prever-se medidas de protecção adicionais para as proteger durante as inquirições realizadas no âmbito da investigação criminal e do processo penal.

(23)

Deverá ser prestada uma atenção particular às crianças não acompanhadas vítimas de tráfico de seres humanos, dado que necessitam de assistência e apoio específicos em virtude da sua situação de particular vulnerabilidade. A partir do momento em que uma criança não acompanhada é identificada como vítima de tráfico de seres humanos e até ser encontrada uma solução duradoura, os Estados-Membros deverão aplicar medidas de recepção adequadas às necessidades da criança e assegurar que se aplicam as garantias processuais relevantes. Deverão ser tomadas as medidas necessárias para assegurar, se for caso disso, a nomeação de um tutor e/ou de um representante a fim de assegurar o superior interesse da criança. A decisão sobre o futuro de cada criança não acompanhada, vítima de tráfico de seres humanos, deverá ser tomada no mais curto prazo possível, tendo em vista encontrar soluções duradouras baseadas na avaliação individual do superior interesse da criança, o que deverá constituir uma consideração primordial. A referida solução duradoura poderá consistir no retorno e na reintegração da criança no país de origem ou no país de retorno, na integração na sociedade de acolhimento, na concessão do estatuto de protecção internacional ou outro, nos termos do direito nacional dos Estados-Membros.

(24)

Se, nos termos da presente directiva, for nomeado um tutor e/ou um representante da criança, estas funções podem ser desempenhadas pela mesma pessoa ou por uma pessoa colectiva, uma instituição ou uma autoridade.

(25)

Os Estados-Membros deverão estabelecer e/ou reforçar as políticas de prevenção do tráfico de seres humanos, incluindo através de medidas de dissuasão e redução da procura que favoreça todas as formas de exploração, e de medidas para reduzir o risco de as pessoas se tornarem vítimas do tráfico, através da investigação, nomeadamente da investigação relativa a novas formas de tráfico de seres humanos, informação, sensibilização e educação. No âmbito dessas iniciativas, os Estados-Membros deverão adoptar uma perspectiva que tenha em conta as questões de género e os direitos da criança. Os funcionários e agentes susceptíveis de entrar em contacto com vítimas, efectivas ou potenciais, do tráfico de seres humanos, deverão receber formação adequada para identificar e lidar com tais vítimas. Esta obrigação de formação deverá ser promovida para o seguinte pessoal susceptível de vir a estar em contacto com vítimas: agentes da polícia, guardas de fronteira, funcionários dos serviços de imigração, magistrados do ministério público, juristas, magistrados e funcionários judiciais, inspectores do trabalho, pessoal dos serviços sociais, de acolhimento de crianças, de saúde e pessoal consular, podendo também, em função das circunstâncias locais, envolver igualmente outros grupos de funcionários e agentes públicos que sejam susceptíveis de entrar em contacto com vítimas de tráfico no exercício das suas funções.

(26)

A Directiva 2009/52/CE prevê sanções contra os empregadores de nacionais de países terceiros em situação irregular que, apesar de não terem sido acusados nem condenados por tráfico de seres humanos, utilizam o trabalho ou serviços de uma pessoa com conhecimento de que esta é vítima desse tipo de tráfico. Além disso, os Estados-Membros deverão considerar a possibilidade de aplicar sanções aos utilizadores de qualquer serviço imposto a uma vítima, quando tenham conhecimento de que esta foi objecto de tráfico. Esta criminalização adicional poderá incluir a conduta de empregadores de nacionais de países terceiros que residam legalmente e de nacionais da União, bem como os utilizadores de serviços sexuais de qualquer pessoa vítima de tráfico, qualquer que seja a sua nacionalidade.

(27)

Os Estados-Membros deverão criar sistemas nacionais de acompanhamento, tais como relatores nacionais ou mecanismos equivalentes, nas modalidades que considerem adequadas de acordo com a sua organização interna, e atendendo à necessidade de uma estrutura mínima com tarefas identificadas, a fim de avaliar as tendências do tráfico de seres humanos, recolher estatísticas, avaliar os resultados das medidas de luta contra esse tráfico e apresentar relatórios periódicos sobre esta matéria. Estes relatores nacionais ou mecanismos equivalentes já constituem uma rede informal da União, criada por via das Conclusões do Conselho relativas à criação de uma rede informal da UE constituída por relatores nacionais ou mecanismos equivalentes sobre o tráfico de seres humanos, de 4 de Junho de 2009. Um Coordenador da Luta Antitráfico poderá participar nas actividades desta rede, que fornece à União e aos seus Estados-Membros uma informação estratégica objectiva, fiável, comparável e actualizada no domínio do tráfico de seres humanos e faz o intercâmbio de experiências e melhores práticas a nível da União no domínio da prevenção e luta contra o tráfico de seres humanos. O Parlamento Europeu deverá ter o direito de participar nas actividades conjuntas dos relatores nacionais ou mecanismos equivalentes.

(28)

A fim de avaliar os resultados das acções antitráfico, a União deverá continuar a desenvolver o seu trabalho sobre metodologias e métodos de recolha de dados para produzir estatísticas comparáveis.

(29)

À luz do programa de Estocolmo, e tendo em vista desenvolver uma estratégia consolidada da União contra o tráfico e reforçar o empenho e os esforços da União e dos Estados-Membros na prevenção e luta contra o tráfico, os Estados-Membros deverão facilitar o exercício das atribuições cometidas a um Coordenador da Luta Antitráfico, que poderão incluir, por exemplo, a melhoria da coordenação e coerência, evitando a duplicação de esforços, entre as instituições e agências da União, bem como entre os Estados-Membros e os intervenientes internacionais, o contributo para o desenvolvimento das actuais ou futuras políticas e estratégias da União que sejam adequadas para a luta contra o tráfico de seres humanos, ou a apresentação de relatórios às instituições da União.

(30)

A presente directiva visa alterar e alargar as disposições da Decisão-Quadro 2002/629/JAI. Dado que as alterações a introduzir são substanciais em número e natureza, por razões de clareza a Decisão-Quadro deverá ser substituída na sua totalidade relativamente aos Estados-Membros que participaram na sua adopção.

(31)

Nos termos do ponto 34 do Acordo Interinstitucional «Legislar Melhor» (14), os Estados-Membros são encorajados a elaborar, para si próprios e no interesse da Comunidade, os seus próprios quadros, que ilustrem, na medida do possível, a concordância entre a presente directiva e as medidas de transposição, e a publicá-los.

(32)

Atendendo a que o objectivo da presente directiva, a saber, a luta contra o tráfico de seres humanos, não pode ser suficientemente realizado pelos Estados-Membros, e pode, devido à sua dimensão e aos seus efeitos, ser mais bem atingido a nível da União, esta pode adoptar medidas em conformidade com o princípio da subsidiariedade consagrado no artigo 5.o do Tratado da União Europeia. Em conformidade com o princípio da proporcionalidade consagrado no mesmo artigo, a presente directiva não excede o necessário para atingir aquele objectivo.

(33)

A presente directiva respeita os direitos fundamentais e observa os princípios reconhecidos, em especial, na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e, nomeadamente, a dignidade humana, a proibição da escravatura, do trabalho forçado e do tráfico de seres humanos, a proibição da tortura e das penas ou tratamentos desumanos ou degradantes, os direitos da criança, o direito à liberdade e à segurança, a liberdade de expressão e de informação, a protecção dos dados pessoais, o direito à acção e a um tribunal imparcial e os princípios da legalidade e da proporcionalidade entre os delitos e as penas. Em especial, a presente directiva procura garantir o pleno respeito por esses direitos e princípios e deve ser aplicada em conformidade.

(34)

Nos termos do artigo 3.o do Protocolo relativo à posição do Reino Unido e da Irlanda em relação ao espaço de liberdade, segurança e justiça, anexo ao Tratado da União Europeia e ao Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, a Irlanda notificou a sua intenção de participar na adopção e na aplicação da presente directiva.

(35)

Nos termos dos artigos 1.o e 2.o do Protocolo relativo à posição do Reino Unido e da Irlanda em relação ao espaço de liberdade, segurança e justiça, anexo ao Tratado da União Europeia e ao Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, e sem prejuízo do artigo 4.o do referido Protocolo, o Reino Unido não participa na adopção da presente directiva e não está a ela vinculado nem sujeito à sua aplicação.

(36)

Nos termos dos artigos 1.o e 2.o do Protocolo relativo à posição da Dinamarca, anexo ao Tratado da União Europeia e ao Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, a Dinamarca não participa na adopção da presente decisão e não está a ela vinculada nem sujeita à sua aplicação,

ADOPTARAM A PRESENTE DIRECTIVA:

Artigo 1.o

Objecto

A presente directiva estabelece as regras mínimas relativas à definição das infracções penais e das sanções no domínio do tráfico de seres humanos. Introduz igualmente disposições comuns, tendo em conta uma perspectiva de género, para reforçar a prevenção destes crimes e a protecção das suas vítimas.

Artigo 2.o

Infracções relativas ao tráfico de seres humanos

1.   Os Estados-Membros devem tomar as medidas necessárias para garantir que os seguintes actos intencionais são puníveis:

Recrutamento, transporte, transferência, guarida ou acolhimento de pessoas, incluindo a troca ou a transferência do controlo sobre elas exercido, através do recurso a ameaças ou à força ou a outras formas de coacção, rapto, fraude, ardil, abuso de autoridade ou de uma posição de vulnerabilidade, ou da oferta ou obtenção de pagamentos ou benefícios a fim de conseguir o consentimento de uma pessoa que tenha controlo sobre outra para efeitos de exploração.

2.   Por posição de vulnerabilidade entende-se uma situação em que a pessoa não tem outra alternativa, real ou aceitável, que não seja submeter-se ao abuso em causa.

3.   A exploração inclui, no mínimo, a exploração da prostituição de outrem ou outras formas de exploração sexual, o trabalho ou serviços forçados, incluindo a mendicidade, a escravatura ou práticas equiparáveis à escravatura, a servidão, a exploração de actividades criminosas, bem como a remoção de órgãos.

4.   O consentimento de uma vítima do tráfico de seres humanos na sua exploração, quer na forma tentada quer consumada, é irrelevante se tiverem sido utilizados quaisquer dos meios indicados no n.o 1.

5.   Sempre que o comportamento referido no n.o 1 incidir sobre uma criança, deve ser considerado uma infracção punível de tráfico de seres humanos, ainda que não tenha sido utilizado nenhum dos meios indicados no n.o 1.

6.   Para efeitos da presente directiva, entende-se por «criança» qualquer pessoa com menos de 18 anos.

Artigo 3.o

Instigação, auxílio e cumplicidade, e tentativa

Os Estados-Membros devem tomar as medidas necessárias para garantir que são puníveis a instigação, o auxílio e a cumplicidade, ou a tentativa de cometer qualquer das infracções referidas no artigo 2.o.

Artigo 4.o

Sanções

1.   Os Estados-Membros devem tomar as medidas necessárias para garantir que as infracções referidas no artigo 2.o sejam puníveis com penas máximas com duração de, pelo menos, cinco anos de prisão.

2.   Os Estados-Membros devem tomar as medidas necessárias para garantir que as infracções referidas no artigo 2.o sejam puníveis com penas máximas com duração de, pelo menos, dez anos de prisão, caso a infracção:

a)

Tenha sido cometida contra uma vítima particularmente vulnerável, o que, no contexto da presente directiva, inclui no mínimo as vítimas que forem crianças;

b)

Tenha sido cometida no quadro de uma organização criminosa na acepção da Decisão-Quadro 2008/841/JAI do Conselho, de 24 de Outubro de 2008, relativa à luta contra a criminalidade organizada (15);

c)

Tenha posto em perigo a vida da vítima e tenha sido cometida com dolo ou negligência grosseira; ou

d)

Tenha sido cometida com especial violência ou tenha causado à vítima danos particularmente graves.

3.   Os Estados-Membros devem tomar as medidas necessárias para garantir que seja considerado circunstância agravante o facto de uma infracção referida no artigo 2.o ter sido cometida por um funcionário ou agente público no exercício das suas funções.

4.   Os Estados-Membros devem tomar as medidas necessárias para garantir que as infracções referidas no artigo 3.o sejam puníveis com sanções efectivas, proporcionadas e dissuasivas, que possam dar origem a entrega.

Artigo 5.o

Responsabilidade das pessoas colectivas

1.   Os Estados-Membros devem tomar as medidas necessárias para garantir que as pessoas colectivas possam ser consideradas responsáveis pelas infracções referidas nos artigos 2.o e 3.o, cometidas em seu benefício por qualquer pessoa, agindo a título individual ou como membro de um órgão da pessoa colectiva, que nesta ocupe uma posição de liderança, com base:

a)

Em poderes de representação da pessoa colectiva;

b)

Na autoridade para tomar decisões em nome da pessoa colectiva; ou

c)

Na autoridade para exercer controlo dentro da pessoa colectiva.

2.   Os Estados-Membros devem igualmente garantir que uma pessoa colectiva possa ser responsabilizada sempre que a falta de supervisão ou de controlo por parte de uma pessoa referida no n.o 1 tenha possibilitado a prática de infracções referidas nos artigos 2.o e 3.o, em benefício dessa pessoa colectiva, por uma pessoa sob a sua autoridade.

3.   A responsabilidade das pessoas colectivas prevista nos n.os 1 e 2 não exclui a instauração de processos penais contra as pessoas singulares que sejam autoras, instigadoras ou cúmplices nas infracções referidas nos artigos 2.o e 3.o.

4.   Para efeitos da presente directiva, entende-se por «pessoa colectiva» qualquer entidade dotada de personalidade jurídica por força do direito aplicável, com excepção do Estado ou de organismos públicos no exercício de prerrogativas de autoridade pública e das organizações internacionais públicas.

Artigo 6.o

Sanções aplicáveis às pessoas colectivas

Os Estados-Membros devem tomar as medidas necessárias para garantir que as pessoas colectivas consideradas responsáveis nos termos dos n.os 1 ou 2 do artigo 5.o sejam passíveis de sanções efectivas, proporcionadas e dissuasivas, incluindo multas ou coimas e, eventualmente, outras sanções, tais como:

a)

Exclusão do direito a benefícios ou auxílios públicos;

b)

Proibição temporária ou permanente de exercer actividade comercial;

c)

Colocação sob vigilância judicial;

d)

Liquidação judicial;

e)

Encerramento temporário ou definitivo dos estabelecimentos utilizados para a prática da infracção.

Artigo 7.o

Apreensão e perda a favor do Estado

Os Estados-Membros devem tomar as medidas necessárias para garantir que as respectivas autoridades competentes têm o direito de apreender os instrumentos e produtos das infracções referidas nos artigos 2.o e 3.o e de declarar a respectiva perda a favor do Estado.

Artigo 8.o

Não instauração de acção penal ou não aplicação de sanções à vítima

Os Estados-Membros devem, de acordo com os princípios de base do respectivo sistema jurídico, tomar as medidas necessárias para garantir que as autoridades nacionais competentes tenham o direito de não instaurar acções penais ou de não aplicar sanções às vítimas de tráfico de seres humanos pela sua participação em actividades criminosas que tenham sido forçadas a cometer como consequência directa de estarem submetidas a qualquer dos actos referidos no artigo 2.o.

Artigo 9.o

Investigação e acção penal

1.   Os Estados-Membros devem garantir que a investigação ou o exercício da acção penal relativamente a infracções referidas nos artigos 2.o e 3.o não dependam de queixa ou acusação por parte da vítima e que a acção penal pode prosseguir mesmo que a vítima retire a sua declaração.

2.   Os Estados-Membros devem tomar as medidas necessárias para permitir, caso a natureza do acto o exija, o exercício da acção penal relativamente a infracções referidas nos artigos 2.o e 3.o durante um período de tempo suficiente após a vítima ter atingido a maioridade.

3.   Os Estados-Membros devem tomar as medidas necessárias para garantir que as pessoas, unidades ou serviços responsáveis pela investigação ou pelo exercício da acção penal relativamente a infracções referidas nos artigos 2.o e 3.o recebam a formação adequada.

4.   Os Estados-Membros devem tomar as medidas necessárias para garantir que as pessoas, unidades ou serviços responsáveis pela investigação ou pelo exercício da acção penal relativamente a infracções referidas nos artigos 2.o e 3.o tenham acesso a instrumentos de investigação eficazes, como os que são utilizados nos casos de criminalidade organizada e outros crimes graves.

Artigo 10.o

Competência

1.   Os Estados-Membros devem tomar as medidas necessárias para determinar a sua competência relativamente às infracções referidas nos artigos 2.o e 3.o, caso:

a)

A infracção tenha sido cometida, no todo ou em parte, no seu território; ou

b)

O autor da infracção seja um seu nacional.

2.   Um Estado-Membro deve informar a Comissão sempre que decidir estender a sua competência relativamente a infracções referidas nos artigos 2.o e 3.o cometidas fora do seu território, designadamente, caso:

a)

A infracção tenha sido cometida contra um seu nacional ou contra uma pessoa que resida habitualmente no seu território;

b)

A infracção tenha sido cometida em benefício de uma pessoa colectiva estabelecida no seu território; ou

c)

O autor da infracção resida habitualmente no seu território.

3.   Para efeitos de acção penal relativamente a infracções referidas nos artigos 2.o e 3.o e cometidas fora do território do Estado-Membro em causa, cada Estado-Membro deve tomar, em relação aos casos previstos na alínea b) do n.o 1, e pode tomar, em relação aos casos previstos no n.o 2, as medidas necessárias para garantir que a sua competência não depende de nenhuma das seguintes condições:

a)

Os actos constituírem uma infracção penal no local em que foram cometidos; ou

b)

A acção penal só se poder iniciar após a apresentação de queixa pela vítima no local em que a infracção foi cometida, ou de uma denúncia do Estado em cujo território a infracção foi cometida.

Artigo 11.o

Assistência e apoio às vítimas de tráfico de seres humanos

1.   Os Estados-Membros devem tomar as medidas necessárias para garantir que seja prestada assistência e apoio às vítimas antes, durante e, por um período de tempo adequado, após a conclusão do processo penal, a fim de lhes permitir exercer os direitos estabelecidos na Decisão-Quadro 2001/220/JAI e na presente directiva.

2.   Os Estados-Membros devem tomar as medidas necessárias para garantir que uma pessoa receba assistência e apoio logo que as autoridades competentes disponham de indicação de que existem motivos razoáveis para crer que a pessoa em causa pode ter sido vítima das infracções referidas nos artigos 2.o e 3.o.

3.   Os Estados-Membros devem tomar as medidas necessárias para garantir que a prestação de assistência e apoio a uma vítima não dependa da sua vontade de cooperar na investigação criminal, na acção penal ou no julgamento, sem prejuízo da Directiva 2004/81/CE ou de regras nacionais semelhantes.

4.   Os Estados-Membros devem tomar as medidas necessárias para estabelecer os mecanismos adequados que permitam proceder a uma identificação rápida e prestar assistência e apoio às vítimas, em colaboração com as organizações de apoio relevantes.

5.   As medidas de assistência e apoio referidas nos n.os 1 e 2 devem ser prestadas numa base consensual e informada, devendo proporcionar, pelo menos, níveis de vida que possam assegurar a subsistência das vítimas, nomeadamente o seu alojamento condigno e seguro e assistência material, bem como o tratamento médico necessário, incluindo assistência psicológica, o aconselhamento e informação, e a tradução e interpretação quando necessárias.

6.   A informação referida no n.o 5 inclui, se for caso disso, a informação sobre um período de reflexão e recuperação nos termos da Directiva 2004/81/CE, bem como a informação sobre a possibilidade de conceder protecção internacional nos termos da Directiva 2004/83/CE do Conselho, de 29 de Abril de 2004, que estabelece normas mínimas relativas às condições a preencher por nacionais de países terceiros ou apátridas para poderem beneficiar do estatuto de refugiado ou de pessoa que, por outros motivos, necessite de protecção internacional, bem como relativas ao respectivo estatuto, e relativas ao conteúdo da protecção concedida (16), e da Directiva 2005/85/CE do Conselho, de 1 de Dezembro de 2005, relativa a normas mínimas aplicáveis ao procedimento de concessão e retirada do estatuto de refugiado nos Estados-Membros (17), ou nos termos de outros instrumentos internacionais ou outras regras nacionais semelhantes.

7.   Os Estados-Membros devem atender às vítimas com necessidades especiais, caso essas necessidades resultem, em especial, de uma eventual gravidez, do seu estado de saúde, de deficiência, de distúrbios mentais ou psicológicos de que sofram, ou de terem sido alvo de formas graves de violência psicológica, física ou sexual.

Artigo 12.o

Protecção das vítimas de tráfico de seres humanos na investigação criminal e no processo penal

1.   As medidas de protecção referidas no presente artigo aplicam-se em complemento dos direitos estabelecidos na Decisão-Quadro 2001/220/JAI.

2.   Os Estados-Membros devem garantir que as vítimas do tráfico de seres humanos têm acesso sem demora a aconselhamento jurídico e, de acordo com o papel da vítima no sistema judicial respectivo, ao patrocínio judiciário, incluindo para efeitos de pedido de indemnização. O aconselhamento jurídico e o patrocínio judiciário devem ser gratuitos, caso a vítima não disponha de recursos financeiros suficientes.

3.   Os Estados-Membros devem garantir que as vítimas de tráfico de seres humanos recebem protecção adequada, com base numa avaliação individual dos riscos, tendo nomeadamente acesso a programas de protecção de testemunhas ou a outras medidas semelhantes, se tal se afigurar adequado e de acordo com as condições definidas no direito ou nos procedimentos nacionais.

4.   Sem prejuízo dos direitos da defesa, e de acordo com a avaliação individual das circunstâncias pessoais da vítima pelas autoridades competentes, os Estados-Membros devem garantir que as vítimas de tráfico de seres humanos recebem tratamento específico para prevenir a vitimização secundária, evitando-se tanto quanto possível e segundo as condições definidas no direito nacional, bem como nas regras relativas ao exercício do poder discricionário por parte das autoridades judiciais, nas práticas ou orientações judiciais:

a)

A repetição desnecessária de inquirições durante a investigação, o inquérito e a instrução, ou o julgamento;

b)

O contacto visual entre as vítimas e os arguidos, nomeadamente durante o depoimento, como o interrogatório e o contra-interrogatório, por meios adequados, incluindo o recurso às tecnologias de comunicação adequadas;

c)

O depoimento em audiência pública; e

d)

Perguntas desnecessárias sobre a vida privada da vítima.

Artigo 13.o

Disposições gerais sobre as medidas de assistência, apoio e protecção às crianças que sejam vítimas de tráfico de seres humanos

1.   As crianças que sejam vítimas de tráfico de seres humanos devem receber assistência, apoio e protecção. Na aplicação da presente directiva, o superior interesse da criança deve constituir uma consideração primordial.

2.   Os Estados-Membros devem garantir que, caso a idade da vítima de tráfico de seres humanos seja incerta e havendo motivos para crer que se trata de uma criança, se presuma que essa pessoa é uma criança a fim de ter acesso imediato a assistência, apoio e protecção nos termos dos artigos 14.o e 15.o.

Artigo 14.o

Assistência e apoio a vítimas que sejam crianças

1.   Os Estados-Membros devem tomar as medidas necessárias para garantir que as medidas específicas de assistência e apoio às crianças que sejam vítimas de tráfico de seres humanos, a curto e a longo prazo, para a sua recuperação física e psicossocial, sejam tomadas após uma avaliação individual das circunstâncias específicas de cada uma dessas crianças, atendendo às suas opiniões, necessidades e preocupações, com vista a encontrar uma solução duradoura para a criança. Num período de tempo razoável, os Estados-Membros devem providenciar o acesso à educação para as vítimas que sejam crianças e para os filhos de vítimas que recebam assistência e apoio nos termos do artigo 11.o, ao abrigo do respectivo direito nacional.

2.   Os Estados-Membros devem nomear um tutor ou representante para a criança vítima de tráfico de seres humanos a partir do momento em que a mesma seja identificada pelas autoridades caso, por força do direito nacional, os titulares da responsabilidade parental estejam impedidos de garantir o superior interesse da criança e/ou de a representar, devido a um conflito de interesses entre eles e a criança.

3.   Os Estados-Membros devem tomar medidas para prestar assistência e apoio às famílias das crianças vítimas de tráfico de seres humanos, sempre que possível e justificado, quando a família se encontrar no respectivo território. Em especial, sempre que adequado e possível, os Estados-Membros devem aplicar à família o artigo 4.o da Decisão-Quadro 2001/220/JAI.

4.   O presente artigo é aplicável sem prejuízo do artigo 11.o.

Artigo 15.o

Protecção das crianças vítimas de tráfico de seres humanos na investigação criminal e no processo penal

1.   Os Estados-Membros devem tomar as medidas necessárias para garantir que, na investigação criminal e no processo penal, de acordo com o papel da vítima no sistema judicial respectivo, as autoridades competentes nomeiem um representante para as crianças vítimas de tráfico de seres humanos quando, por força do direito nacional, os titulares da responsabilidade parental estejam impedidos de representar a criança devido a um conflito de interesses entre eles e a criança.

2.   Os Estados-Membros devem garantir, de acordo com o papel da vítima no respectivo sistema judicial, que as crianças vítimas têm acesso sem demora a aconselhamento jurídico e patrocínio judiciário gratuitos, nomeadamente para efeitos de pedidos de indemnização, salvo se dispuserem de recursos financeiros suficientes.

3.   Sem prejuízo dos direitos da defesa, os Estados-Membros devem tomar as medidas necessárias para garantir que na investigação criminal e no processo penal relativos a qualquer das infracções referidas nos artigos 2.o e 3.o:

a)

A inquirição da criança vítima ocorra sem demora injustificada após a denúncia dos factos às autoridades competentes;

b)

A inquirição da criança vítima ocorra, caso seja necessário, em instalações concebidas e adaptadas para o efeito;

c)

A inquirição da criança vítima seja feita, caso seja necessário, por profissionais qualificados para o efeito;

d)

Sejam as mesmas pessoas, se possível e caso seja adequado, a realizar todas as inquirições da criança vítima;

e)

O número de inquirições seja o mais limitado possível e que sejam realizadas apenas em caso de estrita necessidade para efeitos da investigação criminal e do processo penal;

f)

A criança vítima seja acompanhada pelo seu representante legal ou, caso seja necessário, por um adulto à sua escolha, salvo decisão fundamentada em contrário relativamente a essa pessoa.

4.   Os Estados-Membros devem tomar as medidas necessárias para garantir que, na investigação criminal relativa às infracções referidas nos artigos 2.o e 3.o, todas as inquirições da criança vítima ou, se for caso disso, testemunha, possam ser gravadas em vídeo e que estas gravações possam ser utilizadas como prova no processo penal, de acordo com as disposições aplicáveis do direito nacional.

5.   Os Estados-Membros devem tomar as medidas necessárias para garantir que no âmbito dos processos penais relativos a qualquer das infracções referidas nos artigos 2.o a 3.o se possa determinar que:

a)

A inquirição decorra sem a presença do público; e

b)

A criança vítima possa ser ouvida pelo tribunal sem estar presente, nomeadamente com recurso a tecnologias de comunicação adequadas.

6.   O presente artigo é aplicável sem prejuízo do artigo 12.o.

Artigo 16.o

Assistência, apoio e protecção de crianças não acompanhadas vítimas de tráfico de seres humanos

1.   Os Estados-Membros devem tomar as medidas necessárias para garantir que as medidas específicas de assistência e apoio às crianças vítimas de tráfico de seres humanos, como referido no n.o 1 do artigo 14.o, tenham em devida conta as circunstâncias pessoais e especiais da vítima menor não acompanhada.

2.   Os Estados-Membros devem tomar as medidas necessárias para encontrar uma solução duradoura com base na avaliação individual do superior interesse da criança.

3.   Os Estados-Membros devem tomar as medidas necessárias para garantir que, se for caso disso, seja nomeado um tutor da criança não acompanhada vítima de tráfico de seres humanos.

4.   Os Estados-Membros devem tomar as medidas necessárias para garantir que, na investigação criminal e no processo penal, e de acordo com o papel da vítima no respectivo sistema judicial, as autoridades competentes nomeiem um representante caso a criança não esteja acompanhada ou esteja separada da família.

5.   O presente artigo é aplicável sem prejuízo dos artigos 14.o e 15.o.

Artigo 17.o

Indemnização das vítimas

Os Estados-Membros devem garantir que as vítimas de tráfico de seres humanos tenham acesso aos regimes vigentes de indemnização de vítimas de crimes intencionais violentos.

Artigo 18.o

Prevenção

1.   Os Estados-Membros devem tomar as medidas adequadas, como a educação e a formação, para desencorajar e reduzir a procura que incentiva todas as formas de exploração ligada ao tráfico de seres humanos.

2.   Os Estados-Membros devem tomar medidas adequadas, nomeadamente através da Internet, tais como campanhas de informação e sensibilização, programas de investigação e educação, se necessário em cooperação com organizações relevantes da sociedade civil e outras partes interessadas, a fim de aumentar a consciencialização em relação a este problema e de reduzir o risco de pessoas, sobretudo as crianças, virem a ser vítimas de tráfico de seres humanos.

3.   Os Estados-Membros devem promover uma formação regular dos funcionários e agentes susceptíveis de virem a estar em contacto com vítimas ou potenciais vítimas de tráfico de seres humanos, incluindo os agentes da polícia no terreno, a fim de que estes possam identificar e lidar com as vítimas e potenciais vítimas de tráfico de seres humanos.

4.   A fim de tornar a prevenção e a luta contra o tráfico de seres humanos mais eficazes mediante o desencorajamento da procura, os Estados-Membros devem considerar a possibilidade de criminalizar a utilização dos serviços que são objecto de exploração, tal como referida no artigo 2.o, quando o utilizador tenha conhecimento de que a pessoa é vítima de uma infracção referida no artigo 2.o.

Artigo 19.o

Relatores nacionais ou mecanismos equivalentes

Os Estados-Membros devem tomar as medidas necessárias para criar relatores nacionais ou mecanismos equivalentes. A estes mecanismos cabe, nomeadamente, avaliar as tendências do tráfico de seres humanos, avaliar os resultados das medidas de luta contra esse tráfico, incluindo a recolha de estatísticas em estreita cooperação com as organizações relevantes da sociedade civil activas neste domínio, e apresentar relatórios sobre esta matéria.

Artigo 20.o

Coordenação da estratégia da União contra o tráfico de seres humanos

A fim de contribuir para uma estratégia coordenada e consolidada da União contra o tráfico de seres humanos, os Estados-Membros devem facilitar o exercício das atribuições de um Coordenador da Luta Antitráfico (CLAT). Em especial, os Estados-Membros devem transmitir ao CLAT as informações referidas no artigo 19.o, com base nas quais o CLAT contribui para a apresentação de um relatório pela Comissão, de dois em dois anos, sobre os progressos alcançados na luta contra o tráfico de seres humanos.

Artigo 21.o

Substituição da Decisão-Quadro 2002/629/JAI

A Decisão-Quadro 2002/629/JAI, relativa à luta contra o tráfico de seres humanos, é substituída no que diz respeito aos Estados-Membros que participam na adopção da presente directiva, sem prejuízo das obrigações dos Estados-Membros quanto ao prazo de transposição dessa decisão-quadro para o direito nacional.

No que diz respeito aos Estados-Membros que participam na adopção da presente directiva, as remissões para a Decisão-Quadro 2002/629/JAI devem entender-se como sendo feitas para a presente directiva.

Artigo 22.o

Transposição

1.   Os Estados-Membros põem em vigor as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para dar cumprimento à presente directiva até 6 de Abril de 2013.

2.   Os Estados-Membros comunicam à Comissão o texto das disposições que transpõem as obrigações resultantes da presente directiva para o respectivo direito interno.

3.   Quando os Estados-Membros adoptarem essas disposições, estas incluem uma referência à presente directiva ou são acompanhadas dessa referência aquando da sua publicação oficial. As modalidades dessa referência são estabelecidas pelos Estados-Membros.

Artigo 23.o

Relatórios

1.   A Comissão apresenta, até 6 de Abril de 2015, um relatório ao Parlamento Europeu e ao Conselho no qual avalie em que medida os Estados-Membros tomaram as disposições necessárias para dar cumprimento à presente directiva, incluindo uma descrição das disposições aplicadas por força do n.o 4 do artigo 18.o, devendo esse relatório ser acompanhado, se necessário, de propostas legislativas.

2.   A Comissão apresenta, até 6 de Abril de 2016, um relatório ao Parlamento Europeu e ao Conselho no qual avalie o impacto na prevenção do tráfico de seres humanos do direito nacional em vigor que criminalize a utilização de serviços que são objecto da exploração do tráfico de seres humanos, devendo esse relatório ser acompanhado, se necessário, das propostas adequadas.

Artigo 24.o

Entrada em vigor

A presente directiva entra em vigor no dia da sua publicação no Jornal Oficial da União Europeia.

Artigo 25.o

Destinatários

Os destinatários da presente directiva são os Estados-Membros nos termos dos Tratados.

Feito em Estrasburgo, em 5 de Abril de 2011.

Pelo Parlamento Europeu

O Presidente

J. BUZEK

Pelo Conselho

A Presidente

GYŐRI E.


(1)  Parecer de 21 de Outubro de 2010 (ainda não publicado no Jornal Oficial).

(2)  Posição do Parlamento Europeu de 14 de Dezembro de 2010 (ainda não publicada no Jornal Oficial) e decisão do Conselho de 21 de Março de 2011.

(3)  JO L 203 de 1.8.2002, p. 1.

(4)  JO C 311 de 9.12.2005, p. 1.

(5)  JO C 115 de 4.5.2010, p. 1.

(6)  JO L 328 de 15.12.2009, p. 42.

(7)  JO L 261 de 6.8.2004, p. 19.

(8)  JO L 168 de 30.6.2009, p. 24.

(9)  JO L 190 de 18.7.2002, p. 1.

(10)  JO L 182 de 5.7.2001, p. 1.

(11)  JO L 68 de 15.3.2005, p. 49.

(12)  JO L 158 de 30.4.2004, p. 77.

(13)  JO L 82 de 22.3.2001, p. 1.

(14)  JO C 321 de 31.12.2003, p. 1.

(15)  JO L 300 de 11.11.2008, p. 42.

(16)  JO L 304 de 30.9.2004, p. 12.

(17)  JO L 326 de 13.12.2005, p. 13.


Top