Acórdão de 11 de Fevereiro de 1993. Apêndice de 1995-10-16
- Data de Publicação:1995-10-16
- Emissor:Supremo Tribunal Administrativo - Decisões proferidas pela 1.ª Secção (Contencioso Administrativo) - Decisões em pleno durante o 1.º trimestre de 1993
- Data em que foi Proferido:Acórdão de 11 de Fevereiro de 1993.
- Páginas:73 - 77
- Assunto: Despedimento colectivo. Natureza jurídica do acto que autorizou o despedimento colectivo. Acto administrativo. Recurso contencioso.
- Texto
Assunto:
Despedimento colectivo. Natureza jurídica do acto que autorizou o despedimento colectivo. Acto administrativo. Recurso contencioso.
Doutrina que dimana da decisão:
A não oposição ao despedimento colectivo por parte do órgão decidente, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 372-A/75, de 16 de Julho, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 82/76, de 28 de Janeiro, constitui um acto administrativo contenciosamente recorrível, preenchendo o pressuposto processual relativo ao objecto do recurso contencioso.
Recurso n.º 23 359, em que são recorrentes a comissão de trabalhadores da Metalúrgica Duarte Ferreira, S. A. R. L., e outros e recorridos o Secretário de Estado do Emprego e Formação Profissional e a Metalúrgica Duarte Ferreira, S. A. R. L. Relator, o Exmo. Conselheiro Dr. Guilherme da Fonseca.
Acordam, em conferência, no pleno da Secção de Contencioso do Supremo Tribunal Administrativo (STA):
1 - Por Acórdão desta Secção de 1 de Outubro de 1991, foi rejeitado o recurso contencioso, "por reconhecida ilegalidade da interposição do recurso, interposto pela Comissão de Trabalhadores da Metalurgia Duarte Ferreira, S. A., pela Federação dos Sindicatos da Metalurgia, Metalomecânica e Minas de Portugal e ainda por Álvaro António Branco e João António Constantino, todos com os sinais identificadores dos autos, relativamente ao 'despacho' do Secretário de Estado do Emprego e Formação Profissional, de 2 de Agosto de 1985, que 'autorizou' o despedimento colectivo de trabalhadores da empresa".
Na base do julgado, que concluiu não ser acto administrativo o "acto de não oposição ao despedimento colectivo", está a consideração essencial de que é "lógico e natural que apenas contra a proibição (do despedimento colectivo) haja recurso contencioso, sendo esta mesma via inadequada à efectiva tutela dos trabalhadores despedidos, ainda que com aquiescência da Administração".
2 - Por Acórdão deste pleno (n.º 2 do artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 129/84, de 27 de Abril), a requerimento dos recorrentes, que vieram interpor recurso com fundamento em oposição de julgados, foi julgada "verificada a oposição de julgados entre o Acórdão recorrido e o de 4 de Outubro de 1988" (recurso n.º 23 452), pois, "nos dois arestos, e no ponto que aqui importa, decidiu-se sobre o mesmo tipo legal de acto administrativo, o que autorizou despedimentos colectivos, e é patente a divergência de julgados" e "é o mesmo o enquadramento legal das duas hipóteses sub judicio".
3 - Cumprindo o n.º 2 do artigo 767.º do Código de Processo Civil (CPC), os recorrentes apresentaram as alegações, concluindo que: "A não oposição ao despedimento colectivo por parte do órgão decidente, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 372-A/75, de 16 de Julho, na redacção do Decreto-Lei n.º 84/76 de 28 de Janeiro, é um acto definitivo e executório susceptível de impugnação contenciosa" ("Assim se revogando o douto acórdão recorrido e fazendo-se justiça").
4 - Nenhuma das demais partes no processo apresentou alegações.
5 - No seu visto, o Ministério Público (MP) pronunciou-se no sentido de que deverá "revogar-se a douta decisão recorrida por considerar não ser definitivo e executório o acto de não oposição ao despedimento colectivo", devendo, assim, "decidir-se no sentido do acórdão fundamento".
6 - Vistos os autos, cumpre decidir, de fundo, pois não é caso de aplicação do n.º 3 do artigo 766.º do CPC.
Toda a questão, no que aqui importa, delineada, tratada e resolvida nos dois identificados arestos, está em saber se uma decisão ministerial que não se opõe ao despedimento colectivo de trabalhadores de uma empresa, a solicitação da autoridade patronal, assume as características de acto administrativo contenciosamente recorrível ("Concordo e autorizo o despedimento colectivo [...]" - é o texto expresso do despacho ora em causa).
À tal questão tem sido dada uma resposta pacífica e uniforme nesta Secção, como se vê dos arestos identificados no voto de vencido aposto no acórdão recorrido, sendo este uma voz isolada no seio de tal jurisprudência. E resposta sempre no sentido de que se "tem entendido, pacificamente, que o despedimento colectivo depende de autorização administrativa, a qual se traduz num acto administrativo definitivo e executório, sendo tal autorização do tipo de autorização tutelar" ("Assim, o acto recorrido consubstanciado na permissão do despedimento é uma autorização administrativa tutelar", tal-qualmente se expressa o Acórdão-Fundamento de 4 de Outubro de 1988 citando o Acórdão de 9 de Fevereiro de 1988, recurso n.º 23 979, nos seguintes termos: "A autorização do despedimento colectivo é o acto terminal do procedimento administrativo iniciado com a declaração efectuada pela entidade empregadora, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 14.º, n.º 1, da lei fundamental, e o seu conteúdo jurídico analisa-se na constatação administrativa da não ilegalidade e não inconveniência do comportamento autorizado. Como acto de autorização tutelar não se confunde com os comportamentos, actos ou negócios jurídicos autorizados que têm existência jurídica autónoma daquele, estando limitada a impugnação judicial aos vícios que lhe são próprios").
Para essa solução propendemos, acatando uma linha de jurisprudência uniforme, não se vendo motivo para dela divergir, pese embora o esforço argumentativo do acórdão recorrido, com apelo à "opinião de ambos os referidos mestres (Profs. Rogério Soares e Freitas do Amaral, 'em pareceres produzidos no processo n.º 25 544, STA'), para quem a lei prevê, unicamente, o poder ministerial de proibição do despedimento colectivo, que não implica nem inclui a competência para a sua autorização".
"No âmbito doutrinário propende a maioria dos autores em negar carácter de 'autorização' e pois, de acto administrativo, recorrível, à declaração de concordância do Governo ao despedimento colectivo, seja qual for o modo porque essa concordância se expressa" - é aqui, no essencial, que se agarra o acórdão recorrido para, depois de percorrer o regime legal dos despedimentos colectivos e as posições dos tais "referidos mestres", concluir, fundamentalmente, que o "inverso de 'proibir' não será, pois, 'autorizar' ou, sequer, permitir, mas, simplesmente, 'não proibir', pelo que quando a lei obriga o empregador a comunicar a sua intenção de despedir, podendo a Administração proibir ou limitar o despedimento, não pode pretender que isso equivalha a um pedido de autorização".
"Quer o destinatário da comunicação informe o empregador que concordou com o despedimento ou que o 'autorizou', referindo ou não as razões da sua concordância, quer lhe silencie, tal acto não conferiu àquele o direito de despedir, que preexistia na sua esfera jurídica, pelo que nada definiu em relação a qualquer dos interessados, não sendo, portanto, acto contenciosamente impugnável" - é o paradigma do acórdão recorrido.
A atracção, por muito que seja pela tese defendida naquele acórdão, não resiste, porém, à análise do despacho ministerial em causa numa perspectiva do acto administrativo decomposto nos seus vectores fundamentais, como pressuposto processual relativo ao objecto do recurso contencioso. E em que releva uma concepção finalista desse acto, podendo admitir-se como regra geral que, tendo o acto administrativo, reflectido ou aparentado reflectir o comportamento, por comissão ou por omissão, de um órgão administrativo exercendo poderes públicos, pode, à partida, ser objecto de recurso contencioso.
É possível, pois, assentar em vectores fundamentais para se encontrar o acto administrativo que preenche o pressuposto processual relativo ao objecto do recurso contencioso, tais como:
O acto com matéria administrativa ou o acto materialmente administrativo, o acto provindo do exercício de um poder público, e, como tal, autoritário, ou o acto organicamente administrativo, o acto definidor da relação jurídico - administrativa concreta, e o acto externo, o acto que se projecta eficazmente na esfera jurídica do destinatário.
Reunidos estes vectores surge-nos o acto administrativo relevante como pressuposto processual, com assento constitucional, hoje no n.º 4 do artigo 268.º, e parece ser esta a hipótese sub judicio.
7 - Partindo do regime legal dos despedimentos colectivos no caso considerado - o Decreto-Lei n.º 372-A/75, de 16 de Julho, com a redacção do Decreto-Lei n.º 84/76, de 28 de Janeiro - e acolhido no acórdão recorrido, temos que o despacho ministerial se insere num procedimento administrativo da iniciativa do empregador, com intervenção dos trabalhadores e das suas organizações representativas, culminando esse procedimento com a adopção das "medidas consideradas indispensáveis, conforme os casos, para evitar ou reduzir os despedimentos" (n.º 1 do artigo 17.º, seguindo-se nas alíneas a) e b) duas medidas, a título exemplificativo: "proibição da cessação dos contratos em causa" a "reclassificação dos trabalhadores [...]"). Por consequência, matéria administrativa, integrando a função administrativa do Estado, à luz da defesa da estabilidade de emprego, como direito social dos trabalhadores, de base constitucional, inserido numa das tarefas fundamentais do Estado, a de promover "a efectivação dos direitos económicos, sociais e culturais" (artigos 9.º, alínea d), e 53.º da lei fundamental).
Como decisão final do referido procedimento quer no plano horizontal quer no plano vertical, cabendo no exercício da competência ministerial fixado no mencionado regime legal, o despacho em causa é um acto materialmente administrativo. Isto independentemente do seu sentido decisório decorrente das medidas previstas no artigo 17.º, n.º 1, incluindo, portanto, o sentido de autorização.
E, provindo esse mesmo despacho do exercício de um poder público, no quadro daquela competência ministerial, ele é de igual modo um acto organicamente administrativo e um acto externo porque se projectou eficazmente na esfera jurídica dos destinatários, os trabalhadores abrangidos pelo anunciado despedimento colectivo (de tal modo que foi divulgado através de um comunicado do empregador, publicitando-se o despedimento com a nota de que "todos os trabalhadores que se encontram abrangidos por este despacho serão contactados pelo Serviço de Pessoal nos próximos dias").
Faltará apenas apurar se o dito despacho ministerial definiu uma relação jurídico - administrativa concreta, ponto em que significativamente no acórdão recorrido se afirma que ele "nada definiu em relação a qualquer dos interessados".
Só que, e contrariamente ao entendimento do acórdão, não pode deixar de se ver na autorização do despedimento colectivo, seja em não qualificada como autorização tutelar, talqualmente se expressa o acórdão fundamento, a definição concreta de uma situação jurídica em relação os trabalhadores e ao empregador.
Com efeito, resultando a decisão final do respectivo procedimento administrativo de um envolvimento nesse processo do empregador, que tomou a iniciativa de o desencadear, e dos trabalhadores, que nele tiveram intervenção através dos seus organismos representativos da classe, ela atinge sempre as partes assim envolvidas na relação jurídico-administrativa subjacente ao despedimento colectivo, não a relação laboral de cada trabalhador. E atinge desfavoravelmente o empregador, se se trata de medidas restritivas ou proibitivas do despedimento, e desfavoravelmente aos trabalhadores se se trata de medida de autorizamento ("o despedimento colectivo, dadas as repercussões sócio-laborais do seu uso e da sua potencialidade lesiva do direito ao trabalho e à segurança no emprego, direitos fundamentais dos trabalhadores constitucionalmente consagrados, exige da parte do Estado uma fiscalização real e efectiva da legitimidade do seu uso" - lê-se no já referenciado Acórdão de 9 de Fevereiro de 1988, no Boletim, n.º 374, pp. 282-283).
Segue-se, portanto, concluir, feita esta análise conceitual, que se reúnem in casu todos os vectores fundamentais do acto administrativo, preenchendo o despacho ministerial de 2 de Agosto de 1985 o pressuposto processual relativo ao objecto do recurso contencioso, não podendo, deste modo, subsistir o julgado (cf., ainda, o Acórdão do tribunal pleno, de 21 de Janeiro de 1981, nos Acórdãos Doutrinais, n.º 234, p. 780, embora reportando-se a um "despacho de proibição do despedimento"). E nem se compreende bem o alcance do acórdão recorrido, quando diferencia "o acto de não oposição ao despedimento colectivo, que, não sendo acto administrativo, não pode caber ao contencioso administrativo, e o acto de proibição, que o é por, esse sim, definir autoritariamente a situação jurídica dos particulares". Mas, então, naquele acto de não oposição não há também uma definição autoritária da situação jurídica dos particulares, os trabalhadores a despedir? Não há também aqui um acto legitimador de uso do despedimento colectivo, cuja fiscalização compete ao Estado, a lesar o direito ao trabalho e à segurança no emprego?
A esta luz, e em suma, tem-se por insubsistente o obstáculo da irrecorribilidade contenciosa do acto administrativo em causa, o que conduz necessariamente ao conhecimento do mérito do recurso contencioso, se inexistirem outros obstáculos formais.
8 - Termos em que, sob invocação dos artigos 205.º e 206.º da Constituição, acordam em conceder provimento ao recurso, revogando o acórdão recorrido, para prosseguir o recurso os seus ulteriores termos.
Sem custas.
Lisboa, 11 de Fevereiro de 1993. - Guilherme Frederico Dias Pereira da Fonseca (relator) - Alberto Manuel de Sequeira Leal Sampaio da Nóvoa - António Arlindo Payan Teixeira Martins - José da Cruz Rodrigues - Rui Vieira Miller Simões - José Manuel de Moura Pires Machado - António Fernando Samagaio - António Simões Redinha. - Fui presente, Maria Angelina Domingues.