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Jurisprudência
  • Acórdão de 6 de Março de 2002. Apêndice de 2003-11-18
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Acórdão de 6 de Março de 2002. Apêndice de 2003-11-18

  • Data de Publicação:2003-11-18
  • Emissor:Supremo Tribunal Administrativo - Decisões proferidas pela 1.ª Secção (Contencioso Administrativo) - Decisões em subsecção durante o 1.º trimestre de 2002
  • Data em que foi Proferido:Acórdão de 6 de Março de 2002.
  • Páginas:1604 - 1613
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    • Texto

      Recurso n. º 41.787. Recorrente: Reinder Jacobus Geerts; Recorrido: Instituto Nacional de Intervenção e Garantia Agrícola; Relator: Exmo. Cons. º Dr. Costa Reis.

      Acordam na 1.ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo:

      Reinder Jacobus Geerts interpôs, no Tribunal Administrativo de Círculo, recurso contencioso de anulação da decisão do Conselho Directivo do Instituto Nacional de Intervenção e Garantia Agrícola (doravante INGA) que determinou não só que a quota leiteira de 2.045.426,5 Kgs. que se encontrava atribuída em nome do Recorrente, fosse dividida em duas partes iguais, uma que lhe continuava atribuída e a outra a ser dividida pelos seus "associados", mas também que a quota que lhe foi atribuída fosse reduzida para 1.425.509,3 (correspondente a 50% daqueles 2.045.426,5 Kgs. mais 402,796 Kg. a F4), para o que invocou que a mesma sofria de vícios de incompetência, falta de fundamentação de facto e de direito e violação de lei por erro nos pressupostos de facto e errada qualificação da situação jurídica das explorações leiteiras do recorrente.

      Resumidamente, alegou:

      - Que, no âmbito da legislação nacional e comunitária reguladora desta matéria, lhe foi atribuída, como produtor, uma quota leiteira de 2.045.426,5 Kg., à qual ainda acresceu mais 402,796 Kgs. concedida em resultado dos investimentos realizados na sua exploração.

      - E, porque assim, o Recorrente entregava, em seu nome, essa quantidade de leite ao comprador, a Cooperativa de Produtores de Leite do Oeste-Estremadura, CRL.

      - Todavia, e porque surgiram problemas entre o Recorrente e os seus associados na produção daquela quantidade de leite, a Autoridade Recorrida interveio na resolução desse diferendo daí resultando a fixação definitiva da quota leiteira do Recorrente para metade do valor inicial.

      - Decisão que é ilegal uma vez que a Autoridade Recorrida não tem competência para tomar uma tal medida, visto a sua competência se circunscrever à fixação das quotas dos compradores de leite e não à fixação da quota dos produtores deste.

      - Acresce que tal decisão foi tomada sem que se explicasse porque se decidiu desse modo, o que era fundamental visto a mesma ser lesiva dos seus interesses legítimos.

      - Daí que, e para além do mais, a decisão recorrida "está inquinada de violação de lei, quer por erro quanto aos pressupostos de facto quer por errada qualificação da situação jurídica explorações leiteiras do Recorrente."

      Respondendo, a Autoridade Recorrida defendeu a manutenção do acto impugnado para o que alegou:

      - Recorrente e J.P. Geerts eram sócios de uma empresa a quem pertencia uma casa de habitação e uma vacaria, com a correspondente sala de ordenha, com capacidade para produzir 1.000.000 litros de leite.

      - Todavia, e porque não tivessem gado para assegurar essa produção, resolveram associar-se aos Recorridos Particulares com quem celebraram contratos destinados a rentabilizar aquele equipamento.

      - Assim, e por força desses contratos, nasceu uma unidade de produção em que os Recorridos Particulares se comprometeram a deter o gado necessário àquela produção e o Recorrente a facultar o dito equipamento, tendo ficado acordado que a divisão dos lucros dessa exploração seria de 50% para o Recorrente e os restantes 50% para os Recorridos Particulares.

      - Nesta comunhão de esforços passaram a produzir aquela quantidade de leite e a vendê-lo à identificada Cooperativa.

      - Venda essa que foi sempre feita em nome do Recorrente.

      - Certo é que o mencionado entendimento não durou por muito tempo o que forçou a intervenção da Autoridade Recorrida, que, por uma questão de justiça, decidiu dividir a quota leiteira por todos os intervenientes daqueles contratos uma vez que a produção daquele leite era feita conjuntamente.

      - Decisão que respeita a legislação em vigor e que, por isso, não sofre de qualquer vício.

      Notificado da resposta da Autoridade Recorrida, dos documentos que a acompanhavam e do processo instrutor o Recorrente veio suscitar a falsidade deste, em virtude de o mesmo não conter um documento por ele junto e, além disso, por dele constar uma certidão cuja data é falsa e, simultaneamente, reforçar a argumentação tendente a demonstrar que a Autoridade Recorrida não tinha competência para proferir a decisão impugnada.

      Ouvida, a Autoridade Recorrida manifestou-se contra a procedência do referido incidente de falsidade.

      O Sr. Juiz a quo, depois de ouvir todas as partes e as funcionárias que organizaram o processo instrutor, proferiu decisão (fls. 294/295) sobre o invocado incidente na qual concluiu: "assim, e nos termos do art. 363.º, als. a) e d), do CPC, e porque os fundamentos são infundados, baseiam-se em argumentos que nada demonstram daquilo que pretendem, nego seguimento ao incidente."

      De seguida foi proferida a sentença recorrida (fls. 297 a 305) na qual se negou provimento ao recurso.

      Inconformado, quer com a decisão referente ao incidente de falsidade quer com a sentença que negou provimento ao recurso, o Recorrente interpôs recursos jurisdicionais de ambas as decisões, tendo rematado as suas alegações com a formulação das seguintes conclusões:

      a. Atenta a confissão da autoridade recorrida constante dos artigos 11.º, 29.º, 31.º e 33.1 da Oposição ao incidente da falsidade, resulta evidente que não foi o recorrente que deu causa ao incidente de falsidade, pelo que não deveria ter sido condenado em multa.

      b. O vício de usurpação de poder foi validamente suscitado pelo recorrente a alegação final, não obstante não o ter suscitado na petição de recurso, pois sendo vício gerador de nulidade é de conhecimento oficioso (cfr. Acórdão do STA de 11.01.94 in AD n.º 390 p. 643);

      c. Sendo de conhecimento oficioso, deveria o invocado vício de usurpação de poder, ter sido apreciado na decisão recorrida. Assim, a sua não apreciação traduz-se em omissão de pronúncia sobre questão que deveria ter sido apreciada, o que gera nulidade da sentença nos termos do n.º 1 d) do artigo 668.º do CPC, ex vi do artigo 1.º da LPTA, mostrando-se violado também o disposto no n.º 2 a) do artigo 133.º do CPA e o art.º 57.º n.º 1 da LPTA, por não aplicação.

      d. Face ao presente recurso, o vício de usurpação de poder surge como questão nova, mas, porque se trata de matéria de conhecimento oficioso, pode o STA conhecer do referido vício;

      e. Ao dividir a quota leiteira em nome do recorrente, em duas partes iguais, uma deste e a outra a dividir pelos sócios, tendo em atenção aspectos materiais dos negócios jurídicos celebrados entre o recorrente e os sujeitos com quem este celebrou acordos de compensação de lucros e perdas, a autoridade recorrida pronunciou-se sobre questão conflitual de direito civil, a dirimir entre o recorrente e os recorridos particulares. O acto recorrido traduz-se em pronúncia sobre questão atinente à validade, conteúdo e subsistência de negócio jurídico celebrado entre particulares, sendo o acto de divisão materialmente jurisdicional. Pelo que, aquele acto da entidade recorrida enferma de vício de usurpação de poder na medida em que o exercício da função jurisdicional compete exclusivamente aos tribunais.

      f. Não existem elementos nos autos que permitam concluir que houve transmissão de superfície, ou transmissão de exploração, arrendamentos ou cedências, destes resultando apenas, que os conflitos que surgiram entre as partes nos referidos acordos para a compensação de lucros e perdas, puseram em crise a execução do seu cumprimento nos termos em que vinha sendo realizada.

      g. Ao decidir pela divisão da quota leiteira em nome do recorrente, o INGA imiscuiu-se na vontade manifestada pelas partes nos acordos para compensação de lucros e perdas, decidindo sobre a validade e subsistência da cláusula contratual, que consagra a independência da propriedade dos bens corpóreos e dos bens incorpóreos - como é o caso da quota leiteira - estabelecendo que a quota gerada no âmbito das explorações conjuntas pertence ao recorrente, daí recorrendo a obrigação para este de permitir a sua utilização no âmbito das referidas explorações.

      h. Devido à inerência da quota à terra, aquela sempre seria do dono da terra pois que desta é indissociável a quota.

      i. Em face da legislação aplicável (Reg. CEE 857/84 do Conselho, DL n.º 108/91 de 15 de Março, Portaria 828/91 de 14 de Agosto, Portaria 1225/91 de 31/12 e Portaria n.º 714/92 de 11/07, e, atento, o conceito de produtor expresso e de corrente de todos esses normativos legais, só ao recorrente podia ser assacada essa qualidade quanto à quantidade de referência em causa, posto que foi ele e apenas ele, quem em nome próprio entregou à sua compradora no caso a Cooperativa Agrícola dos Produtores de Leite do Oeste - Estremadura, - no ano civil de referência que é o de 1990, uma quantidade de leite equivalente à quota que lhe foi distribuída pela compradora.

      j. É de facto "entrega ao comprador" que gera por força da lei, o direito à quantidade de referência, art.º 2.º g) e b) do DL n.º 108/91 de 15/03.

      k. Não podem assim ser considerados correctamente fixados os factos constantes de 3.º e 4.º da douta decisão.

      i. O art. 25.º, n.º 2, e) da Portaria 214/91 de 15/03 apenas permite ao INGA a verificação e fiscalização (controlo) da redistribuição da quantidade de referência pelos respectivos produtores, ou seja, a obrigação de assegurar que o critério referido no art.º 2.º n.º 1 da citada Portaria é adoptado pelos compradores de acordo com o n.º 2 do mesmo artigo, quando redistribuem a sua quantidade de referência pelos produtores, o mesmo é dizer por quem entrega leite aos compradores (cooperativas).

      m. Ainda que se entenda que tais competências englobam o poder de correcção dos actos das cooperativas, não pode tal correcção atingir e violar a autonomia da vontade dos particulares nos acordos que entre si celebram, e relativamente aos quais são alheios quer o INGA quer as Cooperativas (compradores);

      n. Ao considerar que o INGA tem competência para o acto recorrido, a douta sentença sob recurso, fez errada interpretação da lei, pois o art. 25.º, n.º 2, e) da Portaria 214/91 de 15/3 sendo norma que delimita especificamente as competências do INGA quanto à redistribuição das quotas, não permite interpretação no sentido de abranger a competência para atribuição de quotas dos produtores.

      o. Não existe norma legal que atribua ao INGA competência para atribuir quotas aos produtores, nem a título provisório, com excepção da atribuição da quantidade específica de referência a partir da RESERVA NACIONAL (cfr. n.º 3 e n.º 6 in fine da Portaria 214/91 de 15/3).

      p. Sem conceder, ainda que competisse ao INGA definir a situação jurídica de quem estava na posse da quota, sempre o acto recorrido estaria inquinado do vício de violação de lei, não só porque qualificou erradamente a situação jurídica em causa, como não aplicou critérios objectivos e estritamente jurídicos na referida decisão, antes decidindo à margem dos princípios da legalidade e da imparcialidade e sem base legal.

      q. Ao considerar que o acto recorrido "aplicou de forma correcta, e justa, além do mais, as normas legais atinentes à situação" a douta sentença recorrida violou por erro na interpretação, designadamente os artigos 25.º n.º 2 e) da Portaria 214/91 de 15/03, o artigo 2.º g) e b) do DL 108/91 de 15/3, e os artigos 2.º, 4.º, 12.º c) e d) do Reg. CEE 857/84 do Conselho.

      r. Dos autos também resulta claramente demonstrado que quando foi interposto o recurso contencioso, nem ao recorrente nem à sua mandatária tinha sido enviada a fundamentação do acto recorrido, pelo que a douta decisão recorrida também aqui errou, por manifesto erro de apreciação da prova.

      s. Deve pois revogar-se a douta decisão recorrida, por enfermar de nulidade absoluta pela omissão de pronúncia do vício de usurpação de poder, conhecendo este Supremo tribunal do mencionado vício, e assim decretando a nulidade do acto recorrido.

      t. Caso assim não se entenda, deve revogar-se o referido douto despacho, anulando-se o acto impugnado por estar viciado do vício de incompetência, do vício de violação de Lei e do vício de forma.

      u. Deve ainda dar-se provimento ao agravo, revogando-se parcialmente o despacho que negou seguimento ao incidente da falsidade e condenou o recorrente nas custa, ordenando-se a sua substituição por outro que absolva o recorrente por não ter dado causa ao incidente.

      A autoridade recorrida contra-alegou para concluir assim:

      1. A fixação de 2 Ucs por conta da multa devida pelo decaimento do incidente é uma interpretação e aplicação legítimas das normas previstas no artigo 365.º, n.º 1, e 456.º, n.º 1, ambos do CPC, na medida em que a Recorrente deu obviamente causa ao incidente de falsidade, não tendo lançado nos autos que ao lançar mão deste instituto jurídico agia com manifesta boa fé.

      2. A matéria de facto considerada como provada pelo tribunal a quo resulta de forma inequívoca do processo instrutor e sobretudo dos documentos juntos pelo Recorrente ao mesmo, pelo que não é procedente a alegação deste na parte em que considera incorrectamente fixados os factos contidos nos pontos 3.º e 4.º da douta sentença recorrida.

      3. O tribunal a quo decidiu bem quando, relativamente ao vício de usurpação de poder, afirmou que o mesmo não foi considerado validamente suscitado pelo facto de só ter sido levantado nas alegações.

      4. Neste aspecto a sentença recorrida limitou-se a aplicar a lei pois, resulta claro do artigo 36.º, alínea d) da LPTA que na petição de recurso o recorrente deve "expor com clareza os factos e as razões de direito que fundamentam o recurso, indicando precisamente os preceitos ou princípios de direito que considere infringidos". Assim sendo, nas alegações, ao Recorrente e à Administração compete apenas desenvolverem as razões de facto e de direito que julgam assistir-lhes (cfr. neste sentido Freitas do Amaral, in Direito Administrativo, IV, pág. 206) e não assacar novos vícios ao acto recorrido.

      5. Na sentença do tribunal a quo diz-se apenas que o vício de usurpação de poder invocado pelo Recorrente, pela primeira vez, nas alegações, não foi validamente suscitado, por não ter sido levantado na petição de recurso. Ora, esta tese é válida e legítima e nela não se põe em causa que o vício de usurpação de poder, por conduzir à nulidade (cfr. artigo 133.º, alínea a) do CPA) do respectivo acto, é do conhecimento oficioso.

      6. O tribunal a quo, na douta sentença, poderia oficiosamente ter conhecido do referido vício se entendesse que este era procedente. Porém, se não o fez, foi porque entendeu que este não poderia proceder, pelo que não está em causa a aplicação do artigo 668.º, alínea d) do CPC.

      7. De qualquer modo, o vício de usurpação de poder nunca poderia proceder, pois, como resulta claramente do regime jurídico das quotas leiteiras, ao INGA compete implementar e controlar a execução do regime comunitário, competindo-lhe ainda controlar junto do comprador a redistribuição da quantidade de referência junto dos produtores e naturalmente controlar a redistribuição da quantidade de referência junto dos produtores e naturalmente controlar a redistribuição pelos mesmos produtores.

      8. Não houve, por conseguinte, uma ingerência de um órgão da Administração no poder judicial.

      9. Bem ao invés, verifica-se que a Administração, ou seja, o Recorrido, actuou nos termos e de acordo com a lei.

      10. Nestes termos e nos mais de direito aplicáveis deve ser negado provimento aos recursos jurisdicionais interpostos pelo Recorrente, confirmando-se consequentemente a douta sentença e decisão recorridas, com o que se fará a costumada justiça.

      Já neste Tribunal o Recorrente formulou o requerimento de fls. 375/376, pedindo que o STA colocasse ao TJCE, a título prejudicial, nos termos da alínea b) art.º 177.º do Tratado de Roma, as seguintes questões:

      1. Podem os Estados Membros "interpretando" um contrato de exploração conjunta dividir em duas a quantidade de referência do produtor pelo facto de ter cessado esse contrato, não obstante, o mesmo "produtor" manter após tal cessação a mesma exploração com todos os seus activos (terra, vaca, etc...), invocando para tal os artigos 2.º e 4.º do Regulamento (CEE) 857/84 do Conselho que lhe permite fixar as quotas leiteiras em Portugal?

      2. Foi correctamente interpretado pelo INGA o "Acordo para compensação de lucros e perdas" configurando-a como produtor - art.º 12.º-c) Reg. CEE 857/84 - ou pelo contrário face à legislação e jurisprudência comunitárias mantinha o recorrente a sua qualidade de "produtor"?

      3. Foi correctamente interpretada a alínea d) do art.º 12.º do mesmo regulamento, tendo em conta que era o recorrente Gerets quem geria a exploração enquanto o conjunto de unidades de exploração que mantinham a sua individualidade apenas como tal?

      Respondeu a Autoridade Recorrida dizendo ser manifesta a falta de fundamento material e formal para aquele pedido e que, sendo assim, o articulado onde o mesmo foi formulado deveria ser desentranhado mas que, se assim se não entendesse, tal pedido deveria ser indeferido.

      Por ordem do Relator (fls. 389) foi o Recorrente notificado para se pronunciar sobre a eventual extemporaneidade da apresentação dos originais das suas alegações - questão suscitada pela Autoridade Recorrida - direito que ele exerceu para dizer que essa pretensão deveria ser desatendida.

      O Exmo. Magistrado do MP (fls. 394/395) defende que a questão relativa à extemporaneidade da apresentação das alegações do Recorrente improcede, mas entende que deverá ser dado provimento ao recurso em virtude de a sentença recorrida ser nula por não ter conhecido do vício de usurpação de poder.

      FUNDAMENTAÇÃO

      1. MATÉRIA DE FACTO.

      1. O Recorrente - possuidor de "uma empresa cujo objecto é a exploração de imóveis aos quais pertencem uma casa de habitação, vacaria com correspondente sala de ordenha e demais recheio" com capacidade para a produção de 1.000.000 litros de leite anual, mas que não possuía gado - celebrou três contratos, denominados "Acordo para compensação de lucros e perdas", um com cada um dos Recorridos Particulares - criadores de gado e titulares de empresas mas que, contudo, não possuíam instalações para essa criação - destinados à exploração da vacaria do Recorrente, nos quais, entre outras coisas, foi acordado o seguinte:

      - Cada um dos Recorridos Particulares obrigou-se a "explorar na sua empresa uma tal quantidade de gado leiteiro que a instalação de ordenha fazendo parte da empresa de B (o Recorrente) esteja totalmente ocupada, de modo que seja produzida a quantidade de leite de aproximadamente 1.000.000 de litros de leite por ano."

      - Os parceiros "mantendo, no entanto, a independência das empresas de cada um" obrigaram-se a "depositar todas as receitas numa conta conjunta e a pagar todas as despesas desta mesma conta", acordando também que a partilha dos lucros se faria "segundo a chave fixa de divisão: a cada um a metade."

      - Aqueles contratos tinham a duração de cinco anos, renováveis.

      2. Todo o leite assim produzido era vendido à Cooperativa Agrícola de Produtores de Leite do Oeste - Estremadura, CRL.

      3. A "unidade de produção" estava em nome do recorrente e por essa razão a quota leiteira foi-lhe atribuída, sendo o mesmo titular de 4 distintos números de associado (3277, 3278, 3279 e 3290/61) daquela Cooperativa. - vd. fls. 66 a 72 e 97.

      4. A quota leiteira atribuída pelo INGA, em nome do recorrente foi no total de 2.045.426,5 Kgs, tendo sido considerada a produção do ano de 1990.

      5. Durante o ano de 1990 o Recorrente entregou leite na Cooperativa Agrícola de Produtores de Leite do Oeste-Estremadura sob quatro números de associado.

      6. Por ofício enviado ao recorrente em 18/4/94 a autoridade recorrida comunicou-lhe que tinha decidido que "a quota leiteira de 2.045.426,5 Kg, em nome de Reinder Jacobs Geerts recorrente, será dividida em duas partes iguais, uma referente ao Sr. Geerts e a outra a dividir pelos sócios."

      7. Deste modo a quota do Recorrente passaria a ser de 1.425.509,3 a qual correspondia a 50% da quota de 2.045.426,5 a que acresciam 402.796 de F4" - vd. doc. a fls. 320 do processo instrutor.

      8. Esta decisão teve por base a informação n.º 222/DAT-DJ/93 - junta a fls. 89 a 98, que se dá por integrada enviada ao recorrente posteriormente.

      2. O DIREITO

      O antecedente relato faz-nos saber que são dois os recursos jurisdicionais (ambos interpostos pelo Recorrente contencioso) que cumpre apreciar e que os mesmos se dirigem:

      - O primeiro contra a decisão que condenou o Recorrente no pagamento de uma multa em resultado de ter sido entendido que o incidente de falsidade por ele suscitado não devia prosseguir;

      - E o segundo contra a sentença que, conhecendo do mérito, negou provimento ao recurso contencioso.

      Todavia, antes de nos debruçar-mos sobre tais recursos importa conhecer de duas outras questões: (1) a da alegada intempestividade da apresentação dos originais das alegações enviadas por telecópia pelo Recorrente, e (2) a da pertinência do requerimento em que aquele solicita o reenvio, a título prejudicial, do processo ao TJCE a fim de este se pronunciar sobre o problema da competência do Estado português para a prolação da decisão impugnada e sobre a interpretação dos conceitos de "produtor" e "exploração leiteira", visto a sua procedência condicionar a sorte daqueles.

      Vejamos, pois, começando-se pela primeira daquelas questões.

      1. A Autoridade Recorrida defende que se julgue deserto este recurso jurisdicional por considerar que os originais das suas alegações, enviadas por telecópia, foram juntas desatempadamente, isto é, para além dos sete dias imediatos a esse envio (n.º 3 do art. 4.º do DL 28/92, de 27/2).

      Ou seja, no raciocínio da Autoridade Recorrida, o Recorrente estava obrigado a juntar aos autos os originais das suas alegações nos sete dias seguintes ao seu envio por telecópia e que não tendo tal prazo sido respeitado esse desrespeito importava a deserção do recurso.

      Todavia sem razão.

      Na verdade, e se é certo que, nos termos do citado dispositivo, "os originais dos articulados, bem como de quaisquer documentos autênticos ou autenticados apresentados pela parte, devem ser remetidos ou entregues na secretaria judicial no prazo de sete dias contado do envio da telecópia"; também o é que esta determinação não tem aplicação à situação em análise uma vez , e desde logo, porque o que ora está em causa não é a junção ao processo de articulados, nem, tão-pouco, de documentos autênticos ou autenticados.

      Com efeito, dirigindo-se aquela regra exclusivamente à junção de documentos, autênticos e autenticados, e de articulados e sendo que as alegações não são, garantidamente, um documento nem, tão-pouco, podem ser consideradas como articulados (ver nota 1) é forçoso concluir que a invocação do citado dispositivo é impertinente.

      (nota 1) "Os articulados são as peças em que as partes expõem os fundamentos da acção e da defesa e formulam os pedidos correspondentes" - n. º 1 do art. 151. º do CPC - e, sendo assim apenas se poderão considerar como articulados a petição inicial, a contestação, a réplica e a tréplica. Vd Prof. J.A. dos Reis, CPC Anotado, em nota ao art. 151.º.

      ___

      E sendo assim - isto é, não podendo a situação figurada nos autos receber o tratamento previsto no citado preceito - a desatempada junção dos originais das alegações enviadas por telecópia nunca poderia conduzir a um julgamento de deserção do recurso por falta de alegações.

      Mas mesmo que assim não fosse, melhor sorte não teria a tese sustentada pela Autoridade Recorrida.

      Na verdade, o que o transcrito preceito procura garantir é a veracidade dos articulados e documentos juntos por telecópia, conforme resulta evidente não só da sua epígrafe - submetida ao título "força probatória" - como também do preâmbulo daquele diploma e, se assim é, a desatempada junção dos originais de tais documentos e articulados não pode ser assimilada à sua falta e, consequentemente, não pode ter as mesmas consequências.

      O que vale por dizer que a não apresentação desses originais dentro do prazo legalmente previsto não significa que as peças enviadas por telecópia sejam falsas e que, por isso, devam ser tidas como desprovidas de valor jurídico.

      Essa desatempada entrega constitui, apenas e tão-só, uma mera irregularidade processual que, podendo ser suprida de diversas formas, não determina o desvalor jurídico das peças enviadas por telecópia.

      Nesta conformidade, e por esta ordem de razões, ainda que se pudesse dar às alegações o mesmo tratamento que, por força do mencionado preceito, é dado aos articulados - que não pode - a falta ou a atrasada junção dos originais das alegações enviadas por telecópia nunca poderia conduzir à deserção do recurso.

      Improcede, pois, esta questão suscitada pela Autoridade Recorrida.

      2. O Recorrente, através do requerimento de fls. 375/376, pede que se coloque, a título prejudicial, perante o Tribunal de Justiça das Comunidades a questão de saber se os Estados membros têm competência para dividir a quota leiteira atribuída a um produtor, em resultado da empresa em que o mesmo se integrava se ter dissolvido, e se o INGA fez correcta interpretação dos conceitos de "produtor" e "exploração leiteira".

      A tal pedido se opõe a Autoridade Recorrida.

      E, a nosso ver, bem.

      Na verdade, e desde logo, o que fundamentalmente está em causa no recurso contencioso é a questão de saber a quem cabe a competência para a prolação da decisão recorrida - a divisão da quota leiteira atribuída ao Recorrente e a consequente redução dessa quota, em virtude da dissolução da sociedade em que ele estava integrado - e para a resolução dessa questão não pode ser convocado o TJCE, uma vez que a mesma terá de ser feita com recurso a normas não importadas da legislação comunitária.

      Por outro lado, e no tocante ao conteúdo dos identificados conceitos, essa consulta não se justifica não só por se tratar de questão que não suscita grandes dúvidas, mas também porque o Tribunal de Justiça das Comunidades já se pronunciou sobre os mesmos, conforme se vê dos Acórdãos citados nas alegações da Autoridade Recorrida (ver nota 2) e nestes se poderem colher elementos que auxiliem na interpretação daqueles conceitos.

      (nota 2) Vd. Acórdão Cilfit do TJCE que pode ser consultado em "Reenvio Prejudicial ao TJCE" de Pierre Pescatore.

      ___

      Daí que se indefira ao requerido.

      3. Queixa-se, ainda, o Recorrente dizendo que o Tribunal a quo errou quando o condenou no pagamento de uma multa em resultado do incidente de falsidade ter sido julgado improcedente, argumentando que tal condenação não é devida por não ter sido ele (e sim a Autoridade Recorrida) quem lhe deu causa.

      Ou seja, o Recorrente não questiona a decisão de improcedência do incidente, pois que, como se vê, se limita a contestar o julgamento feito no tocante à sua condenação em multa.

      Todavia, sem razão.

      Com efeito, na decisão onde aquela condenação foi proferida foi devidamente explicado ao Recorrente que não havia motivos que justificassem a arguição do dito incidente e que, por isso, se considerava que a mesma era impertinente e, nessa conformidade, se negou a possibilidade do seu prosseguimento.

      E neste ponto nada há que censurar ao juízo feito pelo Sr. Juiz a quo porquanto o mesmo se adapta perfeitamente à factualidade em que fundou. E tanto assim é que com ele se conformou o Recorrente.

      Deste modo, a consequência natural dessa decisão terá de ser a da condenação do Recorrente nas custas devidas por esse decaimento, pois que, contrariamente ao que defende, foi ele quem lhe deu causa por, como se explicou na sentença recorrida, não haver razões que o justificassem. - n.º 1 do art. 446.º do CPC.

      Não há, pois, também aqui, razões para alterar o decidido.

      4. O Recorrente pugna pela nulidade da sentença considerando que a mesma decorre do facto de o Sr. Juiz a quo não se ter pronunciado sobre uma questão que estava obrigado a conhecer - o vício de usurpação de poder imputado ao acto recorrido - obrigação essa que resultava não só de a mesma ter sido, expressamente, invocada nas alegações de recurso, mas também do facto de o seu conhecimento ser oficioso.

      E a verdade é que, neste ponto, o Recorrente tem razão.

      Com efeito e se é certo, como o próprio reconhece, que tal vício não foi suscitado logo na petição inicial também o é que, nas alegações que precederam a prolação da sentença recorrida, o mesmo foi expressamente invocado, tendo nessa altura sido dito que o acto impugnado estava inquinado do mencionado vício e que o mesmo era determinante da sua invalidade.

      Ora se assim é não há dúvida de que o Sr. Juiz a quo deveria ter conhecido dessa questão.

      Na verdade, e sendo tal vício gerador da nulidade do acto e sendo que o seu conhecimento é oficioso - al. a) do n.º 2 do art. 133.º e n.º 2 do art. 134.º do CPA - cumpria ao Sr. Juiz a quo dele conhecer sob pena de nulidade da sua própria decisão - al. d) do n.º 1 do art. 668.º do CPC.

      O que não foi feito.

      Termos em que, sendo em causa o desrespeito de tais preceitos, se anula a sentença recorrida.

      Face ao exposto, baixem os autos para que se conheça do vício que foi alegado e, não conhecendo, assim se dando provimento ao recurso.

      Sem custas.

      Lisboa, 6 de Março de 2002. - Costa Reis (relator) - António Samagaio - Abel Atanásio.

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