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Jurisprudência
  • Acórdão de 8 de Julho de 2009. Apêndice de 2009-12-03
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Acórdão de 8 de Julho de 2009. Apêndice de 2009-12-03

  • Data de Publicação:2009-12-03
  • Emissor:Supremo Tribunal Administrativo - Decisões proferidas pela 1.ª Secção (Contencioso Administrativo) - Decisões em subsecção durante o 3.º trimestre de 2009
  • Data em que foi Proferido:Acórdão de 8 de Julho de 2009.
  • Páginas:1878 - 1887
  • Assunto: Revista Excepcional. Intimação para passagem de certidões. Contrato de prestação de Serviços. Jurisdição competente.
  • Processo: Processo n.º 452/09-12.
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  • Sumário

    I - O contrato de prestação de serviços de alimentação a doentes e colaboradores de um estabelecimento público de saúde, celebrado entre a sociedade gestora desse estabelecimento, pessoa colectiva de direito privado (SA) e um terceiro, também pessoa colectiva de direito privado (SA), no âmbito de um contrato de gestão celebrado em 1995, ao abrigo do artigo 31.º, nº1 do Decreto-Lei n.º 11/93, de 15 de Janeiro, rege-se, em princípio, pelas normas de direito privado (cf. nº1 citado artigo 31.º e artigo 38.º do Decreto-Lei n.º 185/2002, de 20 de Agosto, que o revogou - cf. seu artigo 39.º).

    II - Assim, não se verificando os pressupostos de aplicação do Decreto-Lei n.º 197/99, de 8 de Junho, nem resultando dos factos provados que o referido contrato de prestação de serviços foi celebrado no exercício de poderes públicos de autoridade em que a sociedade gestora estivesse investida, tendo o mesmo sido celebrado entre dois particulares e regendo-se pelas normas de direito privado, está subtraído à disciplina do direito administrativo e, consequentemente, à jurisdição administrativa.

    III - Não lhe é, pois, aplicável o disposto nos artigo 62.º do CPTA e artigo 104.º do CPTA.

  • Texto

    Acórdão de 8 de Julho de 2009.

    Assunto:

    Revista Excepcional. Intimação para passagem de certidões. Contrato de prestação de Serviços. Jurisdição competente.

    Sumário:

    I - O contrato de prestação de serviços de alimentação a doentes e colaboradores de um estabelecimento público de saúde, celebrado entre a sociedade gestora desse estabelecimento, pessoa colectiva de direito privado (SA) e um terceiro, também pessoa colectiva de direito privado (SA), no âmbito de um contrato de gestão celebrado em 1995, ao abrigo do artigo 31.º, nº1 do Decreto-Lei n.º 11/93, de 15 de Janeiro, rege-se, em princípio, pelas normas de direito privado (cf. nº1 citado artigo 31.º e artigo 38.º do Decreto-Lei n.º 185/2002, de 20 de Agosto, que o revogou - cf. seu artigo 39.º).

    II - Assim, não se verificando os pressupostos de aplicação do Decreto-Lei n.º 197/99, de 8 de Junho, nem resultando dos factos provados que o referido contrato de prestação de serviços foi celebrado no exercício de poderes públicos de autoridade em que a sociedade gestora estivesse investida, tendo o mesmo sido celebrado entre dois particulares e regendo-se pelas normas de direito privado, está subtraído à disciplina do direito administrativo e, consequentemente, à jurisdição administrativa.

    III - Não lhe é, pois, aplicável o disposto nos artigo 62.º do CPTA e artigo 104.º do CPTA.

    Processo n.º 452/09-12.

    Recorrente: Hospital Amadora Sintra, Sociedade Gestora, S. A.

    Recorrido: Gertal - Companhia de Restaurantes e Alimentação, S. A.

    Relatora: Exma. Sr.ª Cons.ª Dr.ª Fernanda Xavier.

    Acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

    I- RELATÓRIO

    O HOSPITAL AMADORA-SINTRA, SOCIEDADE GESTORA SA vem interpor recurso de revista excepcional para este STA, ao abrigo do artº150º do CPTA, do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido a fls.151 e seguintes que, julgando procedente o recurso jurisdicional interposto da sentença do TAF de Sintra, por GERTAL - COMPANHIA GERAL DE RESTAURANTES E ALIMENTAÇÃO SA, com os sinais dos autos, revogou aquela sentença e, em substituição, condenou a ora recorrente a, no prazo de 10 dias úteis, passar e entregar à ora recorrida GERTAL, certidão dos documentos que se encontram na sua posse e por esta a si peticionados no ofício datado de 13.11.2007 e cujo conteúdo declaratório se relacione com:

    (i) a aplicação das penalizações no valor de 56.574,43(euro);

    (ii) e fundamentação de facto e de direito em que se alicerçaram as decisões de aplicação das penalizações.

    Terminou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes CONCLUSÕES:

    A. O Hospital do Professor Doutor Fernando Fonseca foi criado pelo Decreto-Lei n.º 382/91, de 9 de Outubro, tendo sido dotado de personalidade jurídica e autonomia administrativa e financeira.

    B. Por contrato celebrado entre a ora recorrente e a Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo, I.P., ao abrigo do disposto nos artº. 28º e segs. do Estatuto do Serviço Nacional de Saúde, aprovado pelo Decreto Lei nº11/93, de 15 de Janeiro, a gestão do referido hospital foi entregue à ora recorrente.

    C. A celebração do referido contrato de gestão não teve como efeito a transformação do mencionado hospital, em hospital SA, desde 10.10.95 até 31.12.2008.

    D. Com efeito, os hospitais SA, sociedades anónimas de capitais exclusivamente públicos, apenas surgiram com a aprovação do Regime Jurídico da Gestão Hospitalar aprovado pela Lei nº27/2002, de 8 de Novembro - artº2º, nº1 alínea c) do citado regime jurídico.

    E. O Hospital do Professor Doutor Fernando Fonseca nunca foi, nem é, actualmente, uma sociedade de capitais exclusivamente públicos - artº1º, nº1 do Decreto-Lei nº203/2008, de 10 de Outubro.

    F. A ora recorrente é uma pessoa colectiva de direito privado.

    G. Durante a vigência do contrato de gestão do Hospital do Professor Doutor Fernando Fonseca, as relações da ora recorrente com terceiros sempre se regeram por regras de direito privado - artº31º, nº1 do estatuto do Serviço Nacional de Saúde.

    H. Não lhe era, por isso, aplicável o regime do Decreto-Lei n.º 197/99 de 8 de Junho.

    I. Aliás, a celebração do contrato existente entre a recorrida e a recorrente não obedeceu às regras do citado diploma.

    J. Por isso que a relação jurídica entre ambas não é enquadrável no artº1º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, em qualquer das alíneas do respectivo artº4º, nº1.

    K. Pelo que os tribunais administrativos não são competentes para conhecerem de quaisquer litígios dele emergentes.

    L. O que a própria recorrida já reconheceu.

    M. Na verdade, para dirimir um litígio emergente do referido contrato, recorreu aos tribunais comuns e não aos tribunais administrativos, como seria de esperar, atento o teor da decisão recorrida, a qual, como se disse violou não apenas normas substantivas, como normas processuais.

    *

    Não houve contra-alegações.

    Por acórdão deste STA proferido a fls. 180 e seguintes, nos termos do nº5 do artº150º do CPTA, foi admitida a revista.

    Sem vistos, atento a natureza urgente do processo, vêm agora os autos à conferência, para decidir.

    *

    II- OS FACTOS

    As instâncias consideraram provados os seguintes factos:

    1. A Hospital Amadora/Sintra - Sociedade Gestora, SA foi constituída para gerir o Hospital do Professor Doutor Fernando Fonseca;

    2. O contrato de gestão para o Hospital do Professor Doutor Fernando Fonseca foi celebrado em 10 de Outubro de 1995 entre a Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo e a Requerida Hospital Amadora/Sintra Sociedade Gestora, SA - acordo;

    3. A requerida tem como objecto social exclusivo o contrato de gestão integral do HPFF - acordo;

    4. Com data de 23 de Outubro de 2006, foi celebrado entre a Requerente e a Requerida o contrato de prestação de serviços tendo por objecto "A prestação de serviços de alimentação pela GERTAL a doentes e colaboradores, no refeitório da unidade hospitalar Hospital Prof. Dr. Fernando Fonseca (HFF) sito no piso um; a preparação das refeições dos doentes que se encontrem internados no HFF" - cfr. nºs 1 e 2 da cláusula primeira da cópia do Contrato junto como doc. 1 à Resposta da Requerida;

    5. Aí se estabelece também que "a prestação de serviços objecto do presente contrato será regulada pelas presentes disposições contratuais, pelos termos e condições previstos no caderno de encargos do concurso para o fornecimento dos serviços de alimentação às Sociedades do Grupo José de Mello, lançado pela M Dados em 25 de Maio de 2005 e pela proposta apresentada pela Gertal em 30 de Junho de 2005 e respectivos aditamentos, os quais constituem o Anexo l e o Anexo II do presente contrato e dele fazem parte integrante" - n.º 3 da CLÁUSUALA PRIMEIRA - e que "Para todas as questões emergentes do presente contrato será competente o Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa" - cfr. CLÁUSULA DÉCIMA TERCEIRA - cópia do Contrato junto como doc. 1 à Resposta da Requerida;

    6. No dia 22 de Outubro de 2007, através de correio electrónico, a Requerida solicitou à Requerente que o valor das penalizações que lhe foram aplicadas até 17 de Outubro de 2007 fosse creditado na factura do mês de Outubro - cfr. doc. 1 ao requerimento inicial;

    7. A Requerente, através da carta datada de 14 de Novembro de 2007, com a Ref-67/ADM/2007, solicitou à Requerida que enviasse toda a fundamentação de facto e de direito que justifica as penalizações aplicadas à Gertal até 17 de Outubro de 2007 para se poder pronunciar sobre as mesmas - cfr. doc. 2 junto ao requerimento inicial;

    8. Por ofício datado de 22.11.2007 a Requerida prestou os seguintes esclarecimentos:

    "(...)

    1- Tal como referido na nossa comunicação com a Ref: DL/TR/181/07 de 19 do corrente, que esta Sociedade Gestora considera que o cumprimento do estabelecido no Caderno de Encargos que serviu de base à prestação de serviços da vossa empresa ao HFF, nem sempre se verificou, pelo que a consequência, no âmbito do mesmo, será a aplicação do regime de penalizações, nos termos e com os efeitos previstos;

    2- As mencionadas penalizações resultam das inúmeras reclamações que temos recebido sobre a crescente falta de condições dos serviços prestados, não só na qualidade dos mesmos, mas na qualidade e quantidade dos alimentos que são servidos.

    3- Em anexo juntamos documento (Documento 1) exemplificativo e descrito das situações identificadas que no âmbito do mencionado Caderno de Encargos, servem de base à aplicação de penalizações.

    4- Juntamos, igualmente, em anexo a relação das chamadas telefónicas realizadas nas linhas telefónicas à guarda da Gertal (Documento 2).(..)" - cfr. doc. 3 junto ao requerimento inicial;

    9. Em 13.12.2007 a Requerente dirigiu ao Presidente do Conselho de Administração da Requerida, um requerimento cuja cópia se encontra nos autos como documento n.º 5, e que se dá aqui por integralmente por reproduzido, em que pede "(..) a passagem de certidão:

    a) De todo o processo administrativo subjacente à aplicação das penalizações no valor de 56.754,43(euro);

    b) Das Decisões que aplicam as penalizações;

    c) De toda a fundamentação de facto e de direito em que se alicerçaram as decisões de aplicação das penalizações (..)";

    10. Ao que a Requerida respondeu, em 10.01.2008, com o seguinte teor:

    "(..) Acusamos a recepção da vossa comunicação datada de 13 de Dezembro de 2008(?),a qual nos causou alguma estranheza, uma vez que na mesma, V. Exas. invocam Código de Procedimento Administrativo (Decreto-Lei n.º 442/91, de 15/11) e o Código de Processo nos Tribunais Administrativos (Lei n.º 15/2002, de 2/02) para a passagem de uma determinada certidão.

    Tal como V. Exas. por certo saberão, a referida legislação não é aplicável ao Contrato de Prestação de Serviços de Alimentação para o Refeitório do Hospital Professor Doutor Fernando Fonseca, celebrado entre a Hospital Amadora Sociedade Gestora, SA e a G..., SA celebrado em 23 de Outubro de 2006 e com efeitos a 15 de Outubro de 2005 e termo a 31 de Dezembro de 2007 (..)" - cfr. doc. 6 junto ao requerimento inicial.

    *

    III- O DIREITO

    1. A GERTAL SA, ora recorrida, veio junto do TAF de Sintra, pedir a intimação da HOSPITAL AMADORA SINTRA, SOCIEDADE GESTORA SA (doravante SOCIEDADE GESTORA SA), ora recorrente, para passagem de certidões de documentos relacionados com penalizações, no valor de (euro)56.754,43, que esta sociedade lhe aplicou, no âmbito de um contrato de prestação de serviços para fornecimento de refeições aos doentes e pessoal do referido Hospital, denominado Hospital Professor Doutor Fernando Fonseca, contrato celebrado entre ambas em 23 de Outubro de 2006.

    Alegou que o pedido de passagem das referidas certidões lhe foi recusado pela ora recorrente, com fundamento em que o CPA e o CPTA não eram aplicáveis ao referido contrato e defendeu a aplicação destes diplomas, por o contrato referido estar "contaminado" pela natureza administrativa do contrato de gestão do referido Hospital que a ora recorrente celebrou com a ARS em 1995.

    A SOCIEDADE GESTORA SA, na sua resposta apresentada no TAF, excepcionou a incompetência daquele tribunal, em razão da matéria, por as partes contratantes serem pessoas colectivas de direito privado, o referido contrato de prestação de serviços reger-se pelo direito privado (artº31º, nº1 do Estatuto do SNS), e, portanto, estar subtraído à jurisdição administrativa (artº 1º, nº1 do ETAF), tendo até sido acordado como foro competente para a resolução dos litígios emergentes do referido contrato, o Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa (cláusula 13ª).

    A GERTAL SA respondeu à excepção, concluindo pela sua improcedência, uma vez que o artº31, nº1 do Estatuto do SNS foi revogado pelo artº38º do DL 185/2002, de 20.08, que embora estabeleça que a contratação de serviços necessários à implementação de parcerias em saúde se rege por normas do direito privado, refere «sem prejuízo da aplicação das directivas comunitárias ...» e para efeitos da Directiva 2004/18/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31.03.2004, relativa à coordenação dos processos de adjudicação dos contratos de empreitada de obras públicas, dos contratos públicos de fornecimento e dos contratos públicos de serviços, a requerida é um organismo de direito público (cf. artº1º, nº9), pelo que o contrato celebrado entre a requerente e a requerida se rege por normas de direito público.

    2. O TAF de Sintra, dando razão à requerida, julgou a jurisdição administrativa incompetente em razão da matéria para conhecer da presente intimação porque, em síntese, «... a relação jurídica invocada pela Requerente carece da indispensável condição administrativa, não se subsumindo em nenhuma das alíneas do artº4º, nº1, ainda que exemplificativo, nem se considera susceptível de se enquadrar no âmbito das relações previstas no artº1º, ambos os preceitos reportados ao ETAF.

    Consequentemente, a requerida, enquanto entidade privada e praticado actos no âmbito de relações contratuais privadas não pode ser intimada a emitir a certidão requerida através do meio processual previsto no artº104º do CPTA.».

    Interposto recurso desta sentença para o TCA Sul, o acórdão recorrido concedeu provimento ao recurso, com os seguintes fundamentos:

    «(...) Qualificado o contrato de gestão no universo dos contratos administrativos, cabe saber da natureza do contrato de prestação de serviços de alimentação a doentes e pessoal do Hospital Amadora/Sintra celebrado em 23.10.2006, cabe atender às consequências decorrentes do DL 185/02 de 20.08 no tocante às relações da sociedade gestora com terceiros no domínio da contratação, dada a revogação do artº 31º da Lei 11/93.

    Neste domínio dispõe o artº 38º do DL 185/02 que "A aquisição de bens e contratação de serviços, necessários à implementação das parecerias em saúde regem-se pelas normas do direito privado, sem prejuízo da aplicação das directivas comunitárias e do acordo sobre mercados públicos, celebrados no âmbito da Organização Mundial do Comércio."

    Claramente é estatuída a obrigatoriedade de observância do procedimento pré-contratual de escolha do co-contratante por imposição das Directivas Comunitárias, a Directiva 93/36/CEE de 14.06.93 com as alterações decorrentes da Directiva 97/52/CE de 13.10.97.

    E aqui abrem-se duas alternativas possíveis: (i) ou se sustenta que o artº 38º do DL 185/02 remete para a aplicabilidade do regime da contratação pública relativa à locação e aquisição de bens e serviços, constante do DL 197/99 de 08.06, (ii) ou, por força do efeito directo reconhecido às directivas comunitárias estas serão de observância vinculada por parte de todos os entes públicos ou privados subsumíveis nos requisitos nelas estabelecidos quanto aos procedimentos pré-contratuais, caso se entenda que o DL 197/99 não procedeu com rigor à transposição do âmbito subjectivo da Directiva no tocante ao conceito funcional de "organismo de direito público criado para satisfazer de um modo específico necessidades de interesse geral sem carácter industrial ou comercial", v.g. artº 1º b) da Directiva 93/36/CEE, por reporte à definição das entidades adjudicantes e extensão do âmbito de aplicação pessoal constante dos artºs 2º b) e 3º n.º 1 a) e b) do DL 197/99. (No domínio dos "hospitais (públicos) SA", Coutinho de Abreu, Sociedade anónima, a sedutora - hospitais, SA, Portugal, SA - Instituto de Direito da Empresas e do Trabalho, Miscelâneas, n.º 1, Almedina, págs.15/23.)

    Seja qual o caminho, qualquer deles de razoável complexidade de conjugação normativa, no seu termo encontramos a clareza do legislador no artº 4º n.º 1 alínea e) do ETAF; segundo o qual o contencioso neste domínio contratual mostra-se sujeito à jurisdição administrativa, sendo que "(..) A norma do n.º 3 do artº 100º do CPTA, interpretada em conjugação com a do artº 4º n.º 1 alínea e) do novo ETAF - que remete para a jurisdição administrativa todas as questões relativas à validade dos actos pré-contratuais inseridos num procedimento de direito público - reforça o entendimento de que se mantém a competência contenciosa dos tribunais administrativos em relação a actos pré-contratuais praticados por pessoas colectivas privadas, quando tais entidades se encontrem subordinadas à disciplina concorrencial de direito público (..)"(Carlos Cadilha, Legitimidade processual, CJA n.º 34 pág. 23 nota 46.)

    De modo que, "(..) O que é relevante, nessa matéria, para determinar o âmbito "contratual" da jurisdição administrativa, continua a ser a natureza jurídica do procedimento que antecedeu - ou devia ou podia ter antecedido - a sua celebração, e não a própria natureza do contrato (..) E independentemente também de se tratar (de actos pré-contratuais ou) de contratos de uma pessoa colectiva de direito público ou de um sujeito privado que esteja submetido, por lei específica, a deveres pré-contratuais de natureza administrativa - como sucede, por exemplo, nomeadamente por força da transposição de normas comunitárias (embora o mesmo possa acontecer em virtude da sua aplicação directa) (..)" (Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, CPTA e ETAF - Anotados, Vol. I, Almedina, 2004, págs.50 e 51.)

    No sentido crítico da solução legal de submeter os contratos entre privados à jurisdição administrativa, na medida em que "(..) mesmo que um contrato entre privados se não qualifique como administrativo, o facto de a lei submeter o respectivo processo de formação a normas de direito público determina, nos termos do artº 4º/1, e) [ETAF] a submissão do próprio contrato à jurisdição administrativa. Para a crítica - a que nos associamos - dessa solução legal, cfr. Sérvulo Correia, Direito do Contencioso, cit., pág. 716 (..)" (Pedro Gonçalves, Entidades privadas com poderes públicos, Almedina/2005, pág. 1069, nota 411).

    *

    Por tudo quanto vem dito se conclui pela competência da jurisdição administrativa no tocante às questões derivadas do contrato de prestação de serviços celebrado entre Recorrente e Recorrida em 23.10.06, conforme ponto 4 do probatório.

    Importa, pois, conhecer do peticionado em via substituição, na exacta medida da insustentabilidade da sentença proferida em 1ª Instância.

    (...).».

    3. Como se vê das conclusões das alegações de recurso, supra transcritas em I e se definiu no acórdão interlocutório que admitiu a presente revista, «... a questão a resolver passa, em especial, por delimitar a relação jurídica subjacente ao presente litígio e apurar se o Recorrente, enquanto pessoa colectiva de direito privado, ao praticar actos no âmbito de relações contratuais privadas, está sujeita, no caso, em apreço, à jurisdição administrativa e, em caso afirmativo, à obrigação de emitir a certidão requerida pela ora Recorrida».

    Vejamos:

    Como resulta da matéria provada, a requerida, ora recorrente, pessoa colectiva de direito privado, foi constituída para gerir o Hospital do Professor Doutor Fernando Fonseca, vulgarmente conhecido por Hospital Amadora Sintra, estabelecimento público de saúde integrado no Serviço Nacional de Saúde, com autonomia administrativa e financeira, que foi criado pelo DL 382/91, de 09.10 (cf. artº1º).

    O contrato de gestão foi celebrado em 10 de Outubro de 1995 e, portanto, na vigência do Estatuto do Serviço Nacional de Saúde, aprovado pelo DL 11/93 de 15.01, que no seu artº28º nº1 dispunha que «A gestão de instituições e serviços do SNS pode ser entregue a outras entidades mediante contrato de gestão ou a grupos de médicos em regime de convenção» e no seu artº31º estabelecia o «regime» desse contrato de gestão.

    4. Não está questionada neste recurso de revista excepcional, nem nunca esteve nos autos, a natureza administrativa do referido contrato de gestão, que a ora recorrente sempre aceitou expressamente.

    Como igualmente nunca foi posta em causa a natureza verdadeiramente privada (e não de entidade administrativa privada), da Sociedade Gestora SA, que, como é do conhecimento público, resultou do consórcio liderado pelo Grupo Mello, que se apresentou ao concurso público internacional nº8/94 aberto para adjudicação da gestão do referido Hospital.

    O que a ora recorrente questiona e sempre esteve controvertido nos autos, é a natureza, pública ou privada, do contrato de prestação de serviços para fornecimento de refeições aos doentes e pessoal do referido Hospital, celebrado em 23.10.2006, entre a Sociedade Gestora SA do referido Hospital, ora recorrente, e a GERTAL Companhia Geral de Restaurantes e Alimentação SA, ora recorrida, e, portanto, entre duas entidades particulares, embora no âmbito do referido contrato de gestão, já que a prestação dos serviços em causa destina-se aos doentes e pessoal do referido hospital.

    E tal controvérsia surge a propósito da competência da jurisdição administrativa para conhecer do pedido formulado neste processo, de intimação para passagem de certidões de documentos, nos termos do artº104º e sgs do CPTA, pedido que a GERTAL SA, ora recorrida, fundamenta no direito à informação procedimental previsto no artº62º do CPA, no pressuposto, como vimos, de que o contrato de prestação de serviços aqui em causa tem natureza administrativa, ou pelo menos, se rege pelo direito público.

    5. Ora, a competência do tribunal, em razão da matéria, sendo absoluta, não pode ser afastada pela vontade das partes (artº100º, nº1, primeiro segmento, do CPC ex vi artº1º do CPTA).

    Aliás, no contencioso administrativo, a competência é de ordem pública, em qualquer das suas espécies (artº13º do CPTA).

    Assim e desde logo, o facto, que chegou a ser invocado pela ora recorrente e consta do probatório de, no contrato de prestação de serviços, as partes terem acordado uma cláusula (a cláusula 13ª), em que «Para todas as questões emergentes do presente contrato será competente o Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa» (cf. ponto 5 do probatório), não pode afastar a competência dos tribunais administrativos, se estes forem os competentes face à lei para conhecer do contrato em causa, apenas podendo relevar e tão só no âmbito da competência territorial, se a jurisdição competente, nos termos da lei, for a jurisdição comum (cf. artº100º nº1 (segundo segmento) do CPC).

    Há, pois, que verificar, face à lei, se a presente causa está subtraída à jurisdição administrativa, como defende a recorrente.

    Ora, nos termos do artº66º do CPC, «são da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional».

    E nos termos do artº212º, nº3 da CRP e artº1º, nº1 do ETAF, compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal dirimir os litígios emergentes de relações jurídicas administrativas e fiscais.

    Daí que as partes, nos articulados apresentados nas instâncias, tenham centrado a discussão à volta da natureza da relação jurídica subjacente ao contrato de prestação de serviços a que respeitam os documentos aqui em causa.

    6. Contudo, como se vê da fundamentação do acórdão do TCA Sul, ora sob recurso, supra transcrita em 2., aquele Tribunal declarou a jurisdição administrativa competente, não por entender que o contrato de prestação de serviços aqui em causa tem natureza administrativa, mas sim porque, citando alguma doutrina, considerou que, «... o que é relevante, nessa matéria, para determinar o âmbito contratual da jurisdição administrativa, continua a ser a natureza jurídica do procedimento que antecedeu - ou devia ter antecedido - a sua celebração e não a própria natureza do contrato».

    E como, no entender do tribunal a quo, no já citado artº38º do DL 185/02, «claramente é estatuída a obrigatoriedade de observância do procedimento pré-contratual de escolha do co-contratante por imposição de directivas comunitárias- a Directiva 93/36/CEE de 14.06.93, com as alterações da Directiva 97/52/CE, de 13.10.97», concluiu que «...mesmo que um contrato entre privados se não qualifique como administrativo, o facto de a lei submeter o respectivo processo de formação a normas de direito público determina, nos termos do artº4º, nº1 a) do ETAF, a submissão do próprio contrato à jurisdição administrativa.».

    A recorrente não ataca esta pronúncia do tribunal a quo, limitando-se a insistir, nas suas alegações de recurso, na natureza privada do contrato de prestação de serviços em causa.

    Contudo, porque, como já se referiu atrás, a competência dos tribunais administrativos, em qualquer das suas espécies, é de ordem pública (artº13º do CPTA) e, portanto, de conhecimento oficioso e tendo ainda em conta o objectivo da presente revista excepcional (cf. artº150º, nº1 do CPTA), cabe apreciar da bondade do decidido.

    7. Ora, como resulta da matéria provada nas instâncias e não foi sequer questionado nos autos, o contrato de prestação de serviços aqui em causa foi celebrado em 23.10.2006, entre a recorrente, entidade particular, gestora do referido Hospital, estabelecimento público de saúde integrado no SNS, com autonomia administrativa e financeira e tinha por objecto a prestação, pela ora recorrida, outra entidade particular, de serviços de alimentação para os doentes e colaboradores do dito Hospital (cf. ponto 4 do probatório).

    O contrato de gestão do Hospital Amadora Sintra, no âmbito do qual a recorrente, SOCIEDADE GESTORA SA, celebrou o referido contrato de prestação de serviços com a GERTAL SA, foi celebrado em 10.10.1995, com a ARS, ao abrigo do artº28º e segs. do DL 11/93, de 15.01 e só se extinguiu em 31.12.2008, por caducidade decorrente da sua renúncia para o termo do prazo (cf. preâmbulo do DL 203/2008, de 10.10, que transformou o referido Hospital numa entidade pública empresarial).

    Ora, o artº31º do citado DL 11/93 continha o regime legal do referido contrato de gestão e que era o seguinte:

    Artº31º

    Regime

    1 - As entidades gestoras regem-se nas suas relações com terceiros por regras de direito privado.

    2 - A ARS é responsável pelo pagamento dos cuidados de saúde prestados aos seus beneficiários, de acordo com as tabelas de preços fixadas para a respectiva região nos termos do artigo 25.º ou com tabelas específicas a aprovar por despacho do Ministro da Saúde.

    3 - Sem prejuízo da celebração de acordos específicos, a entidade gestora pode facturar, nos mesmos termos das outras instituições ou serviços do SNS, a entidades públicas ou privadas responsáveis legal ou contratualmente pelo pagamento de cuidados de saúde, nomeadamente subsistemas de saúde ou entidades seguradoras.

    4 - O Estado ou outra pessoa colectiva pública pode subsidiar a entidade gestora para os seguintes fins:

    a) Renovação de equipamentos e remodelação de instalações;

    b) Investigação científica;

    c) Formação profissional.

    5 - Os bens adquiridos pela entidade gestora nos termos da alínea a) do número anterior revertem para o Estado findo o contrato, sem prejuízo do direito a compensação relativamente à parte não subsidiada.

    6 - São da responsabilidade da entidade gestora todas as despesas motivadas pela prática de factos de administração ordinária indispensáveis ao normal funcionamento e conservação do estabelecimento.

    Os artº28º a 31º do citado DL 11/93 foram revogados pelo artº39º do DL 185/2002, diploma que veio definir «... os princípios e os instrumentos para o estabelecimento de parcerias em saúde, em regime de gestão e financiamento privados, entre o Ministério da Saúde ou instituições e serviços integrados no Serviço Nacional de Saúde e outras entidades.» (cf. seu artº1º).

    8. E esses instrumentos são agora os que constam do artº5º do citado DL 185/2002, que dispõe:

    Artigo 5.º

    Instrumentos contratuais

    1 - Constituem instrumentos para o estabelecimento de parcerias em saúde com recurso a gestão e financiamento privados, entre outros, os seguintes:

    a) Contrato de gestão;

    b) Contrato de prestação de serviços;

    c) Contrato de colaboração.

    2 - As parcerias podem resultar de contratos mistos ou de união de contratos, independentemente da classificação orçamental da despesa.

    O regime do contrato de gestão está agora previsto, desenvolvidamente, nos artº 8º a 33º do citado DL 185/2002, referindo-se os artº34 a 36º, aos «outros instrumentos contratuais» (sendo o artº35º relativo ao contrato de prestação de serviços referido na alínea b) do artº5º e o artº36º, e o contrato de colaboração, referido na alínea c) do mesmo preceito).

    Nas «disposições finais e transitórias» do referido DL 185/2002, consta o artº38º, que a requerente, ora recorrida, invocara nas instâncias para sustentar a competência da jurisdição administrativa e em que o tribunal a quo fundamentou também a sua decisão.

    Esse preceito dispõe o seguinte:

    Artigo 38.º

    Aquisição de bens e contratação de serviços

    A aquisição de bens e a contratação de serviços necessários à implementação das parcerias em saúde regem-se pelas normas do direito privado, sem prejuízo da aplicação das directivas comunitárias e do acordo sobre mercados públicos, celebrado no âmbito da Organização Mundial do Comércio.

    9. O tribunal a quo, referindo o entendimento doutrinal de que o que é relevante para determinar o âmbito "contratual" da jurisdição administrativa continua a ser a natureza jurídica do procedimento que antecedeu - ou devia ou podia ter antecedido - a celebração do contrato e não a sua natureza e partindo do pressuposto de que, por imposição das directivas comunitárias em matéria de contratos (Directiva 93/36/CEE de 14.06.93, com as alterações decorrente da Directiva 97/52/CE, de 13.10.97), o processo de formação do contrato de prestação de serviços aqui em causa, estava sujeito a normas de direito público, concluiu pela competência da jurisdição administrativa face ao artº4º, nº1 e) do ETAF.

    Efectivamente, nos termos do artº4º, nº1, alínea e) do ETAF, compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham nomeadamente por objecto «questões relativas à validade de actos pré-contratuais e à interpretação, validade e execução de contratos a respeito dos quais haja lei específica que os submeta, ou que admita que sejam submetidos, a um procedimento pré-contratual regulado por normas de direito público.»

    Só que o pressuposto de que parte o acórdão recorrido, de que o processo de formação do contrato de prestação de serviços aqui em causa estava sujeito a normas de direito público, por força do supra transcrito artº38º do DL 185/2002, salvo o devido respeito, não se verifica.

    Com efeito, e contrariamente ao que afirma o tribunal a quo, o citado artº38º do DL 185/2002 ao dispor que «... a contratação de serviços, necessários para a implementação das parcerias em saúde, rege-se pelas normas de direito privado, sem prejuízo da aplicação das directivas comunitárias...» não estatui, muito menos claramente, a obrigatoriedade de observância de um procedimento pré-contratual de escolha do co-contratante, em todos os contratos de serviços necessários para a implementação das parcerias em saúde.

    As directivas comunitárias na matéria aplicar-se-ão à contratação de serviços necessários para a implementação das parcerias em saúde apenas quando se verifiquem os pressupostos nelas exigidos para a sua aplicação, que devem constar dos diplomas que as transponham para a nossa ordem jurídica e que no caso das directivas 93/36/CEE e 97/52/CE, relativas a prestação de serviços, foram transpostas pelo DL 197/99, de 08.06.

    Portanto, a menção no citado preceito «...sem prejuízo da aplicação das directivas comunitárias» significa apenas que o facto da contratação de serviços ali referida se reger pelo direito privado, não impede a aplicação das directivas comunitárias sempre que se verifiquem os pressupostos da sua aplicação.

    10. Importa, pois, verificar se, no presente caso, tais pressupostos se verificam.

    Ora, à data da celebração do contrato de prestação de serviços aqui em causa, estava em vigor o DL 197/99, de 08.06, que transpôs as referidas Directivas 93/36/CEE e 97/52/CE (1) e «...estabelece o regime de realização de despesas públicas com locação e aquisição de bens e serviços, bem como da contratação pública relativa à locação de bens móveis e serviços» (cf. preâmbulo e artº1º)

    O âmbito de aplicação pessoal do referido DL 197/99 está definido nos seus artº2º e 3º do seguinte modo:

    Artigo 2º

    Âmbito de aplicação pessoal

    O presente diploma aplica-se às seguintes entidades:

    a) Estado;

    b) Organismos públicos dotados de personalidade jurídica, com ou sem autonomia financeira, que não revistam natureza, forma e designação de empresa pública;

    c) Regiões Autónomas;

    d) Autarquias locais e entidades equiparadas sujeitas a tutela administrativa;

    e) Associações exclusivamente formadas por autarquias locais e ou por outras pessoas colectivas de direito público mencionadas nas alíneas anteriores.

    Artigo 3º

    Extensão do âmbito de aplicação pessoal

    1 - Ficam sujeitas às disposições do capítulo XIII do presente diploma as pessoas colectivas sem natureza empresarial que, cumulativamente, sejam:

    a) Criadas com o objectivo específico de satisfazer necessidades de interesse geral;

    b) Financiadas maioritariamente pelas entidades referidas no artigo anterior ou sujeitas ao seu controlo de gestão ou tenham um órgão de administração, direcção ou fiscalização cujos membros sejam em mais de 50% designados por aquelas entidades.

    2 - Quando qualquer das entidades referidas no artigo 2º ou no número anterior financie directamente, em mais de 50%, um contrato de prestação de serviços de valor igual ou superior a 200 000 euros celebrado por outra entidade e relacionado com um contrato de empreitada de obras públicas, deverá reter esse financiamento ou exigir a sua restituição imediata, caso essa entidade não cumpra o disposto no capítulo XIII.

    As disposições do CAP. XIII, a que se alude no artº3º, são as «disposições especiais de natureza comunitária», que integram os artº190º a 193º do referido DL, respeitando o artº191º ao «fornecimento de serviços e trabalhos de concepção».

    Este último preceito dispõe o seguinte:

    Artigo 191.º

    Fornecimento de serviços e trabalhos de concepção

    1 - As regras do presente capítulo são aplicáveis, cumulativamente com as disposições dos capítulos anteriores, às aquisições de serviços incluídos no anexo V efectuadas:

    a) Pelo Estado quando o valor dos contratos seja igual ou superior ao equivalente em euros a 130 000 DSE;

    b) Pelas entidades referidas nas alíneas b) a e) do artigo 2.º e no n.º 1 do artigo 3.º quando o valor estimado dos contratos seja igual ou superior a 200.000 euros.

    2 - As regras do presente capítulo são, igualmente, aplicáveis, cumulativamente com as disposições dos capítulos anteriores, às aquisições de serviços incluídos no anexo VI efectuadas pelas entidades referidas no artigo 2.º e no n.º 1 do artigo 3.º quando o valor dos contratos seja igual ou superior a 200 000 euros.

    3 - O disposto nos n.os 1, 3 e 4 do artigo 196.º é aplicável, cumulativamente com as disposições dos capítulos anteriores, às aquisições de serviços incluídos no anexo VII efectuadas pelas entidades referidas no artigo 2.º e no n.º 1 do artigo 3.º quando o valor dos contratos seja igual ou superior a 200 000 euros.

    4 - O disposto nos números anteriores é aplicável, consoante o caso, aos concursos para trabalhos de concepção:

    a) Cujos valores dos prémios e de outros pagamentos a que os participantes tenham direito, nos termos do respectivo regulamento, sejam iguais ou superiores aos fixados nesses números;

    b) Que sejam organizados no âmbito de um processo que tenha por objecto a aquisição de serviços mencionados nesses números e cujos valores sejam iguais ou superiores aos neles fixados.

    Ora, a recorrente não é uma entidade das referidas nos artº2º e 3º do DL 197/99, pois não é uma entidade pública ou um organismo público, como se exige no artº2º e nem é uma pessoa colectiva, sem natureza empresarial, como é pressuposto da aplicação do artº3º.

    O facto de ter sido constituída para gerir um estabelecimento público e, portanto, para a execução, pelos meios privados, da gestão de uma actividade de interesse geral, não altera a sua natureza privada e comercial, pois no desenvolvimento dessa actividade de gestão a mesma rege-se, como vimos, pelo direito privado, designadamente pelo lucro.

    A recorrente é, como se provou, uma sociedade anónima e, portanto, uma pessoa colectiva privada, com natureza empresarial.

    Logo, não lhe é aplicável o referido DL 197/99.

    O que afasta a competência da jurisdição administrativa, ao abrigo do artº4º, nº1, e) do ETAF, contrariamente ao decidido.

    11. Voltemos então à natureza jurídica do contrato de prestação de serviços aqui em causa, já que, como vimos, à jurisdição administrativa compete o julgamento dos litígios emergentes das relações jurídicas administrativas (cf. artº212, nº3 da CRP e artº 1º do ETAF).

    Ora, nos termos do artº178º, nº1 do CPA, «Diz-se contrato administrativo o acordo de vontades pelo qual é constituída, modificada ou extinta uma relação jurídica administrativa.»

    Já vimos que ambas as partes contratantes são pessoas colectivas de direito privado e que a recorrente, enquanto sociedade gestora do referido Hospital, rege-se nas relações com terceiros pelas normas do direito privado, nos termos da lei (artº 31º, nº1 do DL 11/93 e artº38º do DL 185/2002)..

    No entanto, as pessoas de direito privado também podem celebrar entre si contratos administrativos, desde que a lei lhes reconheça expressamente tal capacidade, ou se se encontrarem submetidas a normas de direito público que confiram a alguns dos seus órgãos o poder de praticar actos administrativos (2).

    Aliás, nos termos do artº4º, nº1 d) do ETAF, compete aos tribunais administrativos e fiscais a apreciação de litígios que tenham nomeadamente por objecto, «a fiscalização da legalidade das normas e demais actos jurídicos praticados por sujeitos privados, designadamente concessionários, no exercício de poderes administrativos.»

    Esta norma, ao referir-se ao «exercício de poderes administrativos» por entidades privadas, está, a nosso ver, a referir-se a poderes públicos de autoridade atribuídos a quaisquer entidades privadas (cf. também o artº2º, nº3 do CPA).

    Mas como as entidades privadas só têm acesso, em princípio, aos instrumentos de acção do direito privado, pois existe uma congruência entre a forma jurídica de organização e a forma jurídica de acção, i.e., a sua capacidade é uma capacidade de direito privado, só pode falar-se de exercício privado de poderes públicos, quando uma entidade privada surge efectivamente investida de poderes dessa natureza (capacidade de direito público), não bastando que em colaboração com a Administração, ela execute uma tarefa em geral associada ao exercício de poderes públicos.

    Na verdade, a investidura de um sujeito privado no exercício de poderes públicos não pode deixar de ter, a nosso ver, uma base legal expressa (3).

    12. Ora, o regime legal ao abrigo do qual o contrato de gestão do referido Hospital foi celebrado (cf. supra transcrito artº 31º do DL 11/93) não previa a possibilidade do exercício de poderes públicos de autoridade pela sociedade gestora, pelo que o contrato celebrado ao seu abrigo, também não os poderia legalmente estabelecer.

    Já o DL 185/2002, no artº 17º sob a epígrafe «Direitos Especiais da Entidade Gestora», veio estabelecer que:

    «Os contratos de gestão podem atribuir às entidades gestoras os direitos e faculdades que sejam indispensáveis à realização da obra ou à exploração do serviço, nomeadamente quanto à:

    a) Utilização do domínio público a título gratuito;

    b) Constituição de servidões;

    c) Realização de expropriações por utilidade pública, nos termos do artº23º;

    d) Celebração de contratos jurídico-publicos.»

    Trata-se aqui, sem dúvida, de prerrogativas de direito público, que segundo o preceito, podem ser atribuídas às entidades gestoras nos contratos de gestão.

    Porém, não resulta do probatório, nem foi sequer alegado pelas partes, que à ora recorrente tivesse sido atribuído, no referido contrato de gestão, o direito especial de celebrar com terceiros contratos jurídico-públicos, direito que a lei, aliás, não previa à data em que o contrato de gestão aqui em causa foi celebrado.

    Ora, tal como acontece na concessão de serviços públicos, que apresenta semelhanças na estrutura com o contrato de gestão privada de um estabelecimento público (4), também neste tipo de contrato não há uma conexão necessária entre a entrega da gestão a uma entidade privada, para que a exerça nos moldes e segundo o direito privado e a investidura de poderes públicos nessa entidade. Uma não implica necessariamente a outra, pelo que esses poderes terão de resultar directamente da lei ou do contrato, com fundamento na lei.

    Aliás, o campo normal de actuação das entidades privadas, relativamente a terceiros, é, como vimos, o direito privado, pelo que as relações que estabelecem com terceiros são, em regra, relações jurídicas privadas e os litígios delas decorrentes são apreciados pelos tribunais judiciais.

    «O facto de estarem legalmente obrigadas a agir para a realização do interesse geral, não reclama a publicização do que fazem, reclama sim a fiscalização e controlo permanente do Estado» (5), isto sem prejuízo de lhe puderem ser atribuídos e muitas vezes são, poderes públicos de autoridade.

    No presente caso, embora a partir do DL 185/2002 pudessem ser atribuídos à sociedade gestora certos direitos especiais, entre eles, o de celebrar contratos jurídico-públicos, não resulta dos factos provados, que o contrato de gestão referido nos autos lhe conferisse esse poder.

    Portanto, a situação também não se mostra, a nosso ver, subsumível no artº4º, nº1, alínea d) do ETAF.

    Ora, a intimação para prestação de informações, consulta de documentos e passagem de certidões, quando não seja dada satisfação aos pedidos formulados no exercício do direito à informação procedimental previsto nos artº61º e 62º do CPA, só pode ter lugar, como referimos, no âmbito de uma relação jurídica administrativa, devendo ser intentada contra a entidade administrativa e, portanto, contra a Administração (cf. artº 2º, nº1, l) e 104º do CPTA), onde não se integram as entidades privadas, como é o caso da recorrente.

    Pelo que não se verificando as situações de extensão da jurisdição administrativa a essas entidades, previstas nas alíneas d) e e) do nº1 do artº4º do CPTA, está a presente intimação subtraída à disciplina do direito administrativo e, consequentemente, à jurisdição administrativa, não se lhe sendo aplicável o disposto no artº62º do CPA e no artº104º do CPTA.

    *

    IV - DECISÃO

    Termos em que acordam os juízes deste Tribunal em conceder provimento ao recurso de revista, revogar o acórdão recorrido e julgar incompetente a jurisdição administrativa para conhecer da presente intimação.

    Sem custas.

    Lisboa, 08 de Julho de 2009. - Fernanda Martins Xavier e Nunes (relatora) - António Bento São Pedro - Jorge Manuel Lopes de Sousa.

    (1) A Directiva 2004/18 CE do PE e do Conselho de 31.02.2004, só foi transposta para a nossa ordem jurídica pelo Código dos Contratos Públicos, aprovado pelo DL 18/2008, de 29.01

    (2) Neste sentido, Sérvulo Correia, Legalidade e Autonomia Contratual nos Contratos Administrativos, 1987, p.417 e Pedro Gonçalves, Entidades Privadas com Poderes Públicos, Almedina, 2005, p.257 e Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, II, p.217

    (3) Cf. Pedro Gonçalves, A concessão de Serviços Públicos, Almedina, 1998, p. 292/3 e Entidades Privadas com poderes Públicos. Almedina, 1999, p 257 e 292/294 e 596.

    (4) Neste sentido, Pedro Gonçalves, A concessão de serviço público, 1998, p.161, o Parecer do Conselho Consultivo da PGR n.º P 00001993, de 25.10.2001, in www.dgsi.pt e o preâmbulo do DL 185/2002

    (5) Cf. Pedro Gonçalves, Entidades Privadas e Poderes Públicos, p.470

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