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Jurisprudência
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Acórdão n.º 111/2009

Publicação: Diário da República n.º 38/2010, Série II de 2010-02-24
  • Emissor:Tribunal de Contas
  • Tipo de Diploma:Acórdão
  • Parte:D - Tribunais e Ministério Público
  • Número:111/2009
  • Páginas:8249 - 8253
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  • Sumário

    Acórdão n.º 111 /09 - 12 de Maio - 1.ª S/SS - processo n.º 204/2009

  • Texto

    Acórdão n.º 111/2009

    Processo n.º 204/2009

    1 - O Município da ... remeteu para fiscalização prévia uma minuta de escritura de permuta entre o Município e a empresa..., que cabe apreciar.

    2 - Dos factos

    Para a decisão relevam os seguintes factos, evidenciados por informações e documentos constantes do processo:

    a) Em 28 e 29 de Dezembro de 2005 e em 23 de Janeiro de 2006, o Presidente da Câmara Municipal enviou a 5 empresas do ramo imobiliário (1) um convite para apresentação de elementos com vista à instalação de um empreendimento comercial na cidade da ...(2);

    b) Através desse ofício a autarquia solicitou às empresas que apresentassem um estudo relativo ao empreendimento comercial a instalar na área definida pela própria autarquia: zona do Mercado Municipal, Centro Coordenador de Transportes e área envolvente;

    c) Solicitou-lhes ainda que juntassem diversos elementos, entre os quais os elementos que devem acompanhar o pedido de autorização prévia de instalação de conjuntos comerciais, uma proposta de relocalização dos equipamentos existentes, bem como a manutenção do seu funcionamento durante o período de intervenção, e a apresentação de "contrapartidas diversas para o Município";

    d) A documentação e os elementos solicitados deveriam ser entregues no Município até 19 de Janeiro de 2006, para os convites saídos a 28 e 29 de Dezembro de 2005, e até 24 de Fevereiro de 2006, para o convite saído em 23 de Janeiro de 2006;

    e) A ..., respondeu à solicitação feita, manifestando "interesse em desenvolver os estudos necessários para poder apresentar-se num concurso que se venha a realizar", solicitando o esclarecimento de um conjunto alargado de questões, incluindo o "tipo de concurso a realizar", afirmando estranheza pelo prazo fixado para a apresentação dos elementos solicitados, demasiado curto para a realização dos estudos necessários, e declarando a impossibilidade de o cumprir (3);

    f) A ..., entregou, no prazo, os elementos solicitados (4);

    g) A ..., respondeu propondo-se instalar um "Shopping" ou um "Retail Park" no prédio correspondente à central de camionagem e, em troca, construir para o Município uma nova central de camionagem, em terrenos angariados e indicados pelo Município. Na sua proposta, são avançadas alternativas para a concretização desse objectivo, equacionando-se a permuta de bens imóveis presentes por bens futuros e a criação de uma empresa de capitais mistos para a realização do projecto (5);

    h) No documento apresentado por esta empresa (6), refere-se, a dado passo (7):

    "Considerando o caso concreto em que a permuta tem por objecto um imóvel do Município e a construção de uma obra em prédios do Município e para o referido Município por um privado, pode ser necessário realizar concurso público nos termos do Regime Jurídico das Empreitadas de Obras Públicas, uma vez que a situação enquadra-se no âmbito de aplicação do referido regime.

    Poderá não ser necessário realizar concurso público nos termos descritos na alínea anterior no caso de a nova central de camionagem ser construída em terrenos do privado os quais, após a construção, passariam para a titularidade do Município. Neste caso, a permuta seria de prédios, com a única diferença que o prédio do privado teria implantada uma central de camionagem."

    i) Não foi junta ao processo qualquer resposta da empresa

    j) A ... respondeu que "face ao curto período de tempo de que dispomos, agravado pela calendarização das fases de candidatura definidas pela Lei n.º 12/2004, não nos é possível apresentar uma proposta com a dignidade que o convite exige" (8);

    k) Em 1 de Fevereiro de 2006, a Câmara Municipal aprovou, por unanimidade, a proposta de ... (9);

    l) Consta da acta da reunião em causa que, na discussão sobre a proposta, o Presidente da Câmara afirmou ter procurado encontrar um parceiro com capacidade de promover um investimento marcante na vida da cidade, "tendo-se defendido, aliás, como desde início do mandato, como forma de combate aos constrangimentos existentes na Cidade a rentabilização e a melhoria do existente, através de parcerias público-privadas, tendo-se definido, para o caso, um modelo em que a participação respeita um rácio de 10 % - público, 90 %- privado";

    m) O modelo referido e aprovado para o investimento integrava (10):

    i) A criação de uma Sociedade Comercial Anónima, a qual ficaria encarregue de prosseguir o projecto;

    ii) A participação do Município em 10 % do capital social dessa sociedade, através da aquisição de acções no valor de (euro) 5.000,00 (cinco mil euros);

    iii) A participação em 90 % do capital social dessa sociedade da empresa ..., enquanto representante em Portugal da TCN, entidade proponente do projecto. A posição desta empresa poderia ser assumida por outra sociedade pertencente ao mesmo grupo;

    iv) A realização de uma operação de permuta de bens presentes por bens futuros com a sociedade anónima de capitais mistos assim criada;

    v) Através dessa permuta, a transmissão pelo Município para a sociedade criada da propriedade de dois prédios;

    vi) A realização pela sociedade nos referidos prédios:

    Da construção de um terminal rodoviário;

    Do desenvolvimento de um complexo comercial de serviços e habitação;

    Da requalificação do mercado municipal, através da sua inserção no novo complexo;

    Da realização de todos os arranjos exteriores e infra-estruturas necessários ao funcionamento do projecto (acessos, rotundas, jardins, etc.);

    Do estudo e execução de uma solução urbanística complementar ao terminal rodoviário, destinada ao estacionamento e depósito dos transportes rodoviários;

    vii) A transmissão da propriedade das obras referidas para o Município, logo que construídas, com excepção da propriedade do complexo comercial de serviços e habitação;

    viii) O pagamento em dinheiro, no acto da escritura, da diferença de valores entre os bens permutados pelo permutante que entregar os bens de menor valor, ficando, no entanto, consagrado que se o permutante que entregar o bem de menor valor for a Câmara, esta não estará obrigada a entregar a diferença em dinheiro, atenta a valorização, após a construção, dos prédios pela mesma entregues;

    ix) A atribuição aos prédios entregues pelo Município do valor global estimado de (euro) 4.000.000,00 (quatro milhões de euros); à construção do terminal rodoviário, à requalificação do mercado municipal e à realização dos arranjos exteriores e das infra-estruturas do valor estimado de (euro) 6.000.000,00 (seis milhões de euros) e à obra relativa ao estacionamento e depósito dos transportes rodoviários do valor máximo de (euro)500.000,00 (meio milhão de euros).

    Os valores das obras poderão, até à realização da escritura, ser alterados de acordo com a opinião de dois peritos nomeados pelo Município e pela sociedade, tendo em atenção os projectos de construção entretanto aprovados (11);

    x) A realização da escritura de permuta no prazo de vinte dias a contar da aprovação dos projectos de construção e instalação das obras a realizar pela sociedade criada;

    xi) A realização da escritura de permuta sob condição resolutiva, resolvendo-se imediatamente caso não sejam atribuídas à sociedade as necessárias licenças e ou autorizações à construção pela mesma do conjunto comercial;

    xii) O realização do contrato de compra e venda de acções da sociedade sob duas condições resolutivas, consagrando-se a sua resolução imediata no caso de o contrato de permuta não ser outorgado ou no caso de o mesmo ser resolvido;

    n) Em 21 de Fevereiro de 2006, a Assembleia Municipal da aprovou, por maioria, a referida proposta (12).

    o) Nesta reunião da Assembleia Municipal foram feitas intervenções que questionaram, designadamente, a não realização de um concurso público (13);

    p) Na mesma reunião, o Presidente da Câmara referiu que "por não terem meios para fazer uma requalificação urbana nem para requalificar equipamentos que estão degradados e alicerçando o princípio de estabelecer parcerias público/privadas, foi este o parceiro escolhido depois de terem feito os respectivos procedimentos de consulta [...] Que foram feitas consultas a cinco promotores e que houve duas propostas que foram analisadas pelo Executivo, que foram a reunião de câmara, que deliberou aceitar esta proposta, explicando as razões da escolha, nomeadamente a qualidade do projecto, os benefícios directos para a Câmara, o espaço envolvente. Referiu ainda que apenas existem duas épocas para se fazerem candidaturas e como a primeira terminava em Fevereiro, era intenção da Câmara poder candidatá-la no imediato";

    q) Em 24 de Fevereiro de 2006, foi celebrado um Contrato Promessa de permuta entre o Município e a empresa ... que consagrou, no essencial, o modelo referido em m) (14).

    Estipulou-se, no entanto, que a execução da solução urbanística complementar ao terminal rodoviário, destinado ao estacionamento e depósito dos transportes rodoviários, poderá, por acordo das partes, ser substituída pela entrega da quantia de (euro) 500.000,00 (quinhentos mil euros) pela empresa ao Município, para que este encontre e implemente, de acordo com os seus interesses, a referida solução urbanística no Concelho da ...

    r) A empresa ... outorgante nesse contrato promessa, tem sede na morada da ... (15);

    s) Em 16 de Janeiro de 2009, foi celebrada uma Adenda ao Contrato Promessa de Permuta referido em q), que deu nova redacção às suas cláusulas 1.ª, 2.ª, 4.ª e 5.ª e lhe aditou as cláusulas 5.ªA, 5.ªB, 5.ªC e 5.ªD (16).

    Estas cláusulas introduziram alterações na descrição dos prédios abrangidos pela permuta a celebrar, em resultado dos novos planos de pormenor da zona, correspondendo os prédios agora a 3 parcelas, uma com o uso dominante de Habitação, outra para construção de um conjunto comercial e com o uso dominante previsto de Comércio e outra correspondente à área onde será edificado o novo Mercado Municipal e o Centro Coordenador de Transportes.

    Foram ainda estabelecidas contrapartidas adicionais para o Município da ..., consubstanciadas na realização pelo parceiro de estudos e projectos necessários à realização do empreendimento, aos quais foi atribuído o valor global de (euro) 490.000,00.

    Estipulou-se que a escritura pública será realizada no prazo de 10 dias após a obtenção do visto do Tribunal de Contas.

    Face às alterações entretanto ocorridas, as cláusulas alteraram ainda as condições resolutivas do contrato e introduziram regras sobre a execução específica e a cláusula penal.

    t) Esta adenda foi celebrada entre o Município da ... e a empresa ... que assim assumiu a posição da ..., outorgante no contrato promessa inicial;

    u) A Sociedade ..., tem o capital social de cinquenta mil euros, dividido em acções, e o seu objecto social consiste na "Requalificação, reabilitação e reconversão urbana a desenvolver no concelho da ..., compra e venda de imóveis para revenda dos bens adquiridos para os mesmos fins, construção civil, obras públicas e particulares, remodelações, reconstruções, consultoria, assessoria, estudos económicos e execução de projectos de arquitectura e engenharia, promoção e projectos imobiliários e investimentos, gestão e administração de condomínios" (17);

    v) Em 4 de Fevereiro de 2009 deu entrada neste Tribunal a minuta de escritura de permuta entre o Município...e a empresa ..., para efeitos de fiscalização prévia;

    w) A minuta de escritura reproduz o clausulado do contrato promessa referido em q), com as alterações da adenda referida em s) e t);

    x) Na parte que precede o clausulado, refere-se na minuta:

    "[...] Pelo segundo outorgante (18) foi dito:

    Primeiro: Que de harmonia com a deliberação de 01 de Fevereiro de 2006, o Município da ...pretende levar a efeito a recuperação, reconversão e requalificação urbanística da zona do Mercado Municipal e Centro Coordenador de Transportes, na cidade da..., e o planeamento, gestão e realização de investimentos no mercado municipal e o desenvolvimento de ofertas locais de emprego, o que são suas atribuições nos termos da Lei n.º 159/99, de 14 de Setembro.

    Segundo: Que a consecução do que é referido em "Primeiro" passa pela celebração de um contrato de permuta de imóveis, o que se faz pela seguinte forma [...]".

    3 - Da natureza do negócio e do procedimento prévio exigido

    A questão essencial que importa decidir é a de saber se foi seguido o adequado procedimento de escolha do co-contratante do Município no contrato em análise.

    Para o efeito, há que determinar a natureza do negócio jurídico em causa e o respectivo regime.

    3.1 - Configuração do negócio realizado

    Como se conclui do referido nas várias alíneas do ponto 2, o contrato em apreciação insere-se numa operação que visou recuperar e requalificar uma zona da cidade da ...em que se situavam equipamentos de utilização pública, a saber, o mercado municipal e um terminal de camionagem. A visão global da operação evidencia que o seu objectivo consistiu em obter simultaneamente a requalificação urbanística dessa zona e a realização de investimentos para suprir a degradação do mercado municipal e da central de camionagem, para os quais o Município não dispunha de meios financeiros (19).

    Essa operação pretendeu, então, em primeiro lugar, dinamizar a construção de um complexo comercial, vindo a incluir também a construção de um conjunto habitacional.

    Estes equipamentos serão construídos em terrenos cuja propriedade é cedida pelo Município e serão comercializados livremente pela sociedade construtora, sendo através dessa comercialização que a Sociedade verá remunerado o investimento a realizar.

    Esta componente do negócio acabou por não ficar explicitamente consagrada no contrato ora em análise.

    Questionado sobre a matéria, o Município veio referir, no ofício n.º E-3118/2009, de 21 de Abril de 2009, a fls. 70 e seguintes:

    "[...] Atendendo à economia do Contrato, já bem presente nos actos de aprovação praticados pelos órgãos autárquicos, não havia qualquer vantagem em incluir no Contrato obrigações atinentes a bens imóveis que não estavam abrangidos pela permuta [...].

    De facto, tratando-se de obras cuja propriedade não iria nunca ser transmitida para o Município, foi entendido que a sua inclusão no Contrato era inusitada.

    [...] a alteração assinalada [...] teve por escopo limitar o âmbito objectivo do Contrato aos bens a permutar, uma vez que os interesses relacionados com a solução urbanística sempre estariam devidamente tutelados aquando do exercício das competências municipais em matéria urbanística e, possivelmente, através da determinação do regime de uso do solo em sede de plano de pormenor."

    Não pode, no entanto, ignorar-se que esta componente representa a forma de remuneração do promotor, e deve notar-se que, ainda assim, se encontra implícita na articulação entre as cláusulas 1 e 7 do contrato, quando se estipula que os imóveis correspondentes às parcelas 1 e 2, (cuja propriedade é transmitida para a Sociedade e que são destinados a habitação e a comércio) podem ser alienados por ela a terceiros.

    Mas, para além da operação urbanística, desde o início que foi estabelecida, como obrigação do promotor, a requalificação do mercado municipal e do terminal de transportes rodoviários existentes nos terrenos em causa. O desenvolvimento da operação veio acrescentar a realização, pelo promotor, das infra-estruturas e arranjos exteriores, de uma solução urbanística complementar ao terminal rodoviário, destinada ao estacionamento e depósito dos transportes rodoviários.

    Esta é a parte do negócio que se encontra explicitamente regulada na minuta de escritura enviada para visto.

    Através deste contrato, o Município transmite para a Sociedade a propriedade de prédios, nos quais ela se compromete a construir aqueles equipamentos.

    Nos termos do ponto vi. da cláusula 2, uma vez encerrado o processo de construção das obras, a Sociedade compromete-se a transferir para o Município, no prazo de 10 dias, a propriedade das referidas obras e terrenos onde os edifícios se encontram implantados.

    Caso a Sociedade não inicie a construção dos imóveis e obras a permutar no prazo e nas condições estabelecidas na cláusula 4, o contrato é objecto de resolução, ou seja, os prédios voltam à propriedade do Município.

    De acordo com a cláusula 5, estabelece-se a possibilidade de execução específica da promessa de transmissão dos bens futuros para o Município.

    Na cláusula 6 é fixada uma cláusula penal correspondente ao valor das contrapartidas a receber pelo Município, com vista a salvaguardá-lo no caso da Sociedade não concluir as referidas obras ou não proceder ao pagamento das mesmas. A mesma cláusula estabelece condições para a aplicação da cláusula penal, em que se incluem:

    A fiscalização da correcta execução das obras em conformidade com os projectos aprovados e respectivos prazos de execução, por uma Comissão Técnica Municipal, constituída por elementos designados pela Câmara Municipal da

    A medição mensal ou trimestral da execução das "empreitadas", com a redução proporcional do valor da cláusula penal, ajustando-o ao valor em falta para a conclusão da obra.

    Importa ainda sublinhar a circunstância de o contrato ser celebrado entre o Município e uma Sociedade Anónima, com sede na..., na qual o Município terá adquirido 10 % do capital social, constituindo, assim, uma sociedade comercial anónima de capitais mistos.

    Como se referiu no probatório, em vários momentos o Presidente da Câmara Municipal da...se referiu a este negócio como um modelo de parceria público-privada "em que a participação respeita um rácio de 10 %-público, 90 %-privado". Referiu este autarca, conforme acta a fls. 12: "Neste sentido, o que se pretende é que o património privado da Câmara seja integrado no património da Sociedade a criar, para que esta cumpra o seu objectivo que é a criação de um centro de negócios, sendo a Câmara, em contrapartida, retribuída pelo valor que investiu nesta sociedade, na percentagem da sua quota, com dois novos espaços, um para o Mercado Municipal e outro para a Central de Camionagem, e a requalificação de todo o espaço envolvente".

    3.2 - Qualificação jurídica do negócio e do contrato

    Como vimos, o contrato concretamente em análise, independentemente da sua qualificação formal, assegura a realização de obras no mercado municipal, no terminal rodoviário e na envolvente dos imóveis.

    Estes bens ainda são propriedade do Município e estão afectos a fins de interesse público. As obras em causa, sendo necessárias, constituem, por isso, atribuição do Município.

    A fim de que a realização dessas obras seja assegurada pela Sociedade, o Município transmite a propriedade dos bens a essa empresa, voltando essa propriedade, após a conclusão das obras, a ser transferida para o Município.

    Como também vimos, o contrato estabelece instrumentos de fiscalização e acompanhamento das obras e medidas de efectivação do direito municipal ao produto final e à efectiva reversão dos bens.

    As regras estabelecidas evidenciam, assim, de forma bem explícita, que a transmissão para a Sociedade da propriedade dos bens sobre que incidem as obras se efectua na estrita condição e com o único fim da realização dessas obras.

    No ofício n.º E-3118/2009, de 21 de Abril de 2009, a fls. 70 e seguintes dos autos, o Município da ...vem produzir extensa argumentação no sentido de que o contrato em análise não é qualificável como um contrato de empreitada de obras públicas.

    Conclui a autarquia que, no caso, estão reunidos os índices do tipo contratual de permuta e que não estão reunidos os índices do tipo contratual de empreitada. Isto porque, no essencial, os deveres contratuais consagrados se orientam para a concretização dos bens futuros que a Sociedade se compromete a transmitir do seu património para o património do Município e não para a realização propriamente dita da obra.

    De acordo com a sua argumentação, a obrigação principal será a de proceder à transmissão dos bens permutados e um eventual incumprimento das obrigações acessórias apenas se repercute na vigência do contrato em função do incumprimento da obrigação principal: será a não transmissão dos bens futuros que constituem o objecto do contrato que consubstancia o seu incumprimento, e não propriamente a sua não construção, a sua construção defeituosa ou um atraso na sua construção.

    Daqui conclui que "todo o clausulado relativo às obras assume um papel secundário quando relacionado com a transmissão do direito de propriedade, estando funcionalizado a essa transferência patrimonial: a matriz do Contrato é a da permuta e não a da empreitada".

    A autarquia sublinha, ainda, que o Município não reveste a qualidade de dono de obra, uma vez que não a promove nem é dono dos terrenos onde as obras vão ser implantadas, que não corre qualquer dos riscos normalmente associados à posição do dono de obra e que a obra não está sujeita a normas relativas à execução dos contratos de empreitada de obras públicas, que não fazem sentido na economia deste contrato.

    Considera, por isso, que a qualificação adequada ao contrato em causa é a de um contrato de permuta de bens presentes por bens futuros (integrando a possibilidade de o Município fiscalizar os termos em que a Sociedade concretiza esses bens futuros).

    A este respeito, importa invocar a extensa e uniforme jurisprudência da 1.ª Secção do Tribunal de Contas (20).

    De acordo com essa jurisprudência, os contratos devem ser analisados e qualificados, não apenas com base na sua configuração formal, mas também em função das circunstâncias em que se enquadram e dos objectivos que visam realizar.

    Nesse contexto, o Tribunal vem distinguindo as situações em que se recorre ao mercado para adquirir imóveis já construídos e prontos e aquelas em que se escolhe um empreiteiro ou promotor e se lhe "encomenda" a construção de um imóvel.

    E tem, de forma constante e uniforme, considerado que a aquisição de imóveis que ainda não existem no mercado e que estão a ser, ou vão ser, construídos para responder a necessidades previamente contratualizadas, através de um compromisso assumido pelos municípios de os adquirir quando concluída a respectiva construção, deve ser reconduzida ao regime das empreitadas de obras públicas.

    Este mesmo entendimento foi igualmente adoptado pelo Tribunal nos casos em que o terreno onde vem a implantar-se a construção é - ou vem a ser - propriedade do construtor.

    Isto porque, independentemente da complexidade e atipicidade dos negócios formal ou informalmente estabelecidos, o Tribunal deu relevância aos fins a atingir, os quais se consubstanciavam na construção de imóveis para a satisfação de necessidades públicas.

    Os contratos realizados visavam, tão só, associar o particular ao desempenho alternativo de uma função administrativa de interesse público, cujo objecto típico correspondia à empreitada de obra pública e, por isso, devia respeitar o respectivo regime procedimental imperativo.

    Em abono dessa conclusão, o Tribunal tem invocado também, nos referidos arestos, o regime constante das Directivas Comunitárias de Contratação Pública.

    Nesse âmbito, referiu-se em vários dos Acórdãos, e, nomeadamente, no Acórdão n.º 31/03-8.JUL.03-1.ªS/PL:

    "Como tem vindo a ser referido em variadas decisões deste Tribunal, este procedimento, seja qual for a forma aparente pelo qual se revela, consubstancia uma empreitada de obra pública quer à face do disposto na alínea a) do artigo 1.º da Directiva n.º 93/37/CEE, quer à face do disposto no n.º 3 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 59/99, de 2 de Março, sendo certo que este diploma visou adequar a transposição daquela directiva para o direito nacional.

    Naquele preceito de direito comunitário definem-se os contratos de empreitada de obras públicas como os que, a título oneroso, celebrados por escrito entre um empreiteiro, por um lado, e uma entidade adjudicante, por outro, tenham por objecto (entre outros) "a realização, seja por que meio for, de uma obra que satisfaça as necessidades indicadas pela entidade adjudicante". [...]

    Diz, a propósito, o "Guia das regras relativas aos processos de adjudicação dos contratos públicos de obras" (ed. Comissão Europeia, Luxemburgo, 1997, pág. 12) que um caso de realização de obra pode ser, por exemplo, aquele em que a obra é financiada e realizada pelo empreiteiro, que será depois reembolsado pelo comprador".

    E, com maior nitidez, aí se pode ler o seguinte:

    "O âmbito de aplicação da Directiva é portanto o mais vasto possível, de modo a abranger todas as formas contratuais a que uma entidade adjudicante possa recorrer para dar resposta às suas exigências específicas.

    É oportuno salientar que a Directiva não abrange a simples compra de um bem imóvel já existente, na condição, como é evidente, de esse imóvel não ter sido construído para responder às necessidades indicadas pela entidade adjudicante, que previamente tenha subscrito o compromisso de o adquirir após terminado. Neste último caso, tratar-se-ia, com efeito, de um contrato de promoção imobiliária abrangido pela directiva" (pág. 13 do referido "Guia").

    Tanto basta para se poder concluir pela submissão ao essencial do regime das empreitadas públicas."

    Ora, nos casos então em julgamento, como no que ora nos ocupa, as Câmaras alienavam terrenos seus a empresas, no pressuposto de que elas neles construiriam imóveis de acordo com as necessidades que as autarquias pretendiam ver satisfeitas e assumiam o compromisso de, a final, adquirir as construções realizadas.

    A similitude das situações e das finalidades prosseguidas justifica que se siga, no caso, a jurisprudência referida.

    Refira-se que o disposto no artigo 1.º, n.º 2, alínea b), da Directiva n.º 2004/18/CE, que, entretanto, substituiu a Directiva referida no texto transcrito, em nada altera o sentido do entendimento explanado.

    No que concerne à eventual qualificação da operação em causa como uma modalidade de parceria público-privada, importa reter a definição constante do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 86/2003, na redacção do Decreto-Lei n.º 141/2006, de 27 de Julho.

    É certo que este diploma não se aplica às parcerias implementadas por autarquias locais. Mas, inexistindo regulamentação correspondente no âmbito destas entidades, devemos, nos termos do artigo 10.º do Código Civil, utilizar a norma aplicável aos casos análogos, o que é inteiramente justificado no plano dos conceitos.

    Refere, então, aquele artigo que se entende por parceria público-privada o contrato ou a união de contratos, por via dos quais entidades privadas, designadas por parceiros privados, se obrigam, de forma duradoura, perante um parceiro público, a assegurar o desenvolvimento de uma actividade tendente à satisfação de uma necessidade colectiva, e em que o financiamento e a responsabilidade pelo investimento e pela exploração incumbem, no todo ou em parte, ao parceiro privado.

    Sendo o caso assimilável a este conceito e sendo a parceria em causa realizada através da criação de uma sociedade de capitais mistos, encarregue da realização do projecto, poderíamos eventualmente estar perante aquilo que se denomina uma parceria público-privada institucionalizada, que, no caso, executaria um contrato celebrado com o Município.

    No entanto, essa eventual qualificação não alteraria de foram significativa a situação, uma vez que ela sempre integraria a realização de obras e, como veremos, a exigência de concorrência.

    3.3 - Procedimento prévio para a escolha do co-contratante

    a) Enquanto contrato de empreitada

    Não fora a especial configuração formal dada ao negócio e a transmissão e retransmissão da propriedade dos bens, as obras incluídas no contrato, sendo atribuição do Município e realizando-se sobre bens imóveis do mesmo, seriam inquestionavelmente classificadas como "empreitadas de obras públicas" e sujeitas ao respectivo regime procedimental.

    Ora, a circunstância de as obras incluídas no objecto do contrato serem realizadas por encomenda e no interesse do Município, destinando-se o produto final a ser por ele adquirido, para o que é assumido um claro compromisso jurídico, conduz a que as mesmas, no entendimento jurisprudencial deste Tribunal, e na acepção das Directivas Comunitárias aplicáveis, tal como referidos no ponto anterior, e não obstante a configuração dada ao negócio, sejam qualificáveis como "empreitadas de obras públicas" e sujeitas ao respectivo regime procedimental.

    De resto, assim se obvia a situações de eventual fraude à lei.

    Nesse cenário, atendendo ao respectivo valor (euro) 6.000.000,00 - seis milhões de euros) e ao estabelecido nos artigos 48.º, n.º 2, e 52.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 59/99, de 2 de Março (22), e no artigo 6.º da Directiva n.º 93/37/CE, com as alterações da Directiva n.º 97/52/CE (23), as obras em causa deveriam ter sido precedidas da realização de concurso público, com publicitação no Jornal Oficial da União Europeia (JOUE).

    A este respeito, refere a autarquia, a fls. 81: "Tratando-se de um contrato de permuta, o Contrato não se encontra sujeito aos regimes mais comuns de procedimentos pré-contratuais, nomeadamente os que estão associados à formação dos contratos de empreitada de obras públicas.

    Neste sentido, a alínea c) do n.º 2 do artigo 4.º do Código dos Contratos Públicos refere expressamente que o mesmo não se aplica aos contratos de compra e venda e de permuta de bens imóveis, submetendo, por identidade de razão, ambas as figuras ao mesmo regime."

    Não obstante o Código citado não ser, em princípio, aplicável à situação em apreço, por a respectiva procedimentação se ter iniciado antes da sua entrada em vigor, aplicar-se-ia sempre o critério referido no já citado "Guia das regras relativas aos processos de adjudicação dos contratos públicos de obras", editado pela Comissão Europeia: a compra ou a permuta de imóveis só devem ser consideradas como subtraídas ao regime das empreitadas na medida em que respeitem a imóveis já existentes no mercado.

    Ora, não se verifica essa situação quando o imóvel seja construído para responder às necessidades indicadas pela entidade adjudicante, que previamente tenha subscrito o compromisso de o adquirir após terminado.

    Uma vez que é precisamente isso que sucede no caso em apreço, não procede a argumentação do Município.

    Refira-se, aliás, que do Código dos Contratos Públicos e da Directiva n.º 2004/18/CE resultaria a mesma exigência de procedimento e publicidade - cf. artigos 19.º, alínea b), e 131.º do Código dos Contratos Públicos, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29 de Janeiro, e artigo 7.º, alínea c), da Directiva n.º 2004/18/CE, na redacção do Regulamento (CE) n.º 1422/2007 da Comissão, de 4 de Dezembro de 2007 (24), tal como já sucedia na redacção dos Regulamentos (CE) n.os 1874/2004 e 2083/2005, respectivamente de 28 de Outubro de 2004 e de 19 de Dezembro de 2005.

    b) Enquanto contrato de permuta de bens imóveis

    Mas admitamos, como pretende a autarquia, que o contrato em causa não deveria qualificar-se como integrando uma empreitada de obras públicas.

    O Município argumenta que, ao contrário do que acontece no caso da alienação de imóveis do Estado ou de institutos públicos, que são objecto de um procedimento de formação do contrato, a alienação de imóveis por parte das autarquias locais não está sujeita a nenhum normativo legal que imponha a tramitação de um procedimento dessa natureza (25).

    Invocando o disposto no artigo 53.º, n.º 2, alínea i) da Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro (26), o Município da...conclui que "o bloco legal não impõe a realização de qualquer procedimento típico de formação de contratos de permuta em que sejam partes autarquias locais".

    Ora, referiu-se em vários dos Acórdãos acima referenciados, designadamente no Acórdão n.º 7/03-22.JAN.03-1.ªS/SS:

    "[...] Mas, ainda que não quiséssemos configurar o presente contrato como de empreitada - ou sequer como um contrato administrativo em que a obrigatoriedade do concurso público resultaria do artigo 183.º do CPA - ainda assim não ficaria afastada a exigência de tal regime procedimental.

    Isto é, mesmo que estejamos no domínio da contratação que a Administração realiza com recurso ao direito privado, nem assim ela fica isenta do conjunto de directrizes aplicáveis nos termos dos artºs 266.º e 267.º da Constituição (cf. J. J. Canotilho e Vital Moreira, "Constituição da República Portuguesa Anotada", 3.ª edição, pág. 921; J. M. Sérvulo Correia, "Legalidade e Autonomia Contratual nos Contratos Administrativos", Coimbra, 1987, pág 532).

    Observa, por outro lado, Maria João Estorninho ("A Fuga para o Direito Privado", 1996, pág. 239) que "a razão pela qual a Administração Pública não pode furtar-se à vinculação dos direitos fundamentais é o facto de ela ser sempre Administração Pública e nunca se transformar em pessoa privada, seja em que circunstâncias for, mesmo quando utiliza formas jurídico-privadas".

    Defende a mesma autora, de resto, que quanto maiores e frequentes forem as "fugas" às formas jurídico-públicas "tanto mais necessário se torna ser absolutamente intransigente na afirmação da sua vinculação aos direitos fundamentais e, nomeadamente, ao princípio da igualdade".

    O mesmo resulta ainda do artigo 2.º, n.º 5, do Código de Procedimento Administrativo, segundo o qual os princípios gerais que norteiam obrigatoriamente a actividade administrativa, bem como as normas que concretizam preceitos constitucionais, são aplicáveis "a toda e qualquer actuação da Administração Pública, ainda que meramente técnica ou de gestão privada".

    E qual é a forma procedimental adequada à realização destes princípios?

    Para Margarida O. Cabral ("O concurso público nos contratos administrativos", 1999, pág. 258 e segs.) a questão do respeito pelo princípio da igualdade através do concurso público coloca-se da seguinte forma:

    "[...] trata-se de assegurar que todos os cidadãos potencialmente interessados em contratar com a Administração [...] tenham efectivo acesso ao procedimento de contratação e iguais hipóteses de se tornarem co contratantes"; "[...] seria de facto impossível à Administração senão por um sistema de público apelo à concorrência trazer ao procedimento todos aqueles que pudessem estar interessados em contratar, até porque nem sequer os conheceria".

    Para esta autora é ainda o concurso público que garante o cumprimento do princípio da imparcialidade (na vertente da ponderação de todos os interesses relevantes - não só públicos mas também privados).

    Há assim - e de forma injustificada - clara omissão do concurso público que seria o procedimento pré-contratual adequado à salvaguarda dos interesses públicos."

    Acresce a esta argumentação, que sufragamos, que, hoje, o Código dos Contratos Públicos, no seu artigo 1.º, n.º 2, qualifica como contratos públicos aqueles que, independentemente da sua designação e natureza, sejam celebrados pelas entidades adjudicantes referidas no Código (entre as quais se contam as autarquias locais - cf. artigo 2.º, n.º 1, alínea c).

    O n.º 4 do mesmo artigo 1.º refere, ainda, que à contratação pública são especialmente aplicáveis os princípios da transparência, da igualdade e da concorrência.

    Ora, como acima se referiu, só se asseguram estes princípios se se adoptarem procedimentos aptos a trazer ao procedimento todos aqueles que pudessem estar interessados em contratar.

    Tem sido este também o entendimento da jurisprudência do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias (TJCE) e da Comissão Europeia, no âmbito da interpretação do Tratado CE e das directivas relativas aos contratos públicos.

    Como se referiu nos Processos do TJCE C-458/03, Parking Brixen, e C-324/98, Telaustria, quando uma autoridade pública confia o exercício de uma actividade económica a terceiros, e mesmo quando não sejam aplicáveis as directivas relativas aos contratos públicos, aplica-se o princípio da igualdade de tratamento e as suas expressões específicas, nomeadamente o princípio da não-discriminação em razão da nacionalidade, bem como os artigos 43.º e 49.º do Tratado CE, respectivamente sobre a liberdade de estabelecimento e a livre prestação de serviços. Estes princípios implicam uma obrigação de transparência, que consiste em assegurar a todos os potenciais concorrentes um grau de publicidade adequado, que permita abrir o mercado de bens e serviços à concorrência.

    Desta forma, mesmo que o contrato em apreciação fosse configurável, tão só, como um contrato de permuta de bens imóveis, não poderíamos concluir, como o Município concluiu, que o bloco legal aplicável não impõe qualquer procedimento de formação desses contratos.

    Assim, ainda que se possa excluir a aplicação directa do disposto no artigo 107.º, n.º 3, e especialmente no artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 280/2007, de 7 de Agosto, que determina que, na gestão dos bens imóveis, deve ser assegurada aos interessados em contratar uma concorrência efectiva (27), tem de concluir-se pela vinculação inequívoca à mesma regra substancial, por força dos princípios constitucionais e comunitários acima referidos.

    A fls. 82, a autarquia vem referir que, "embora não estivesse sujeito a promover um procedimento pré-contratual típico, ainda assim o Município, no âmbito da sua gestão privada, satisfez os vários princípios gerais da actividade administrativa, nomeadamente o princípio da imparcialidade e os princípios que o informam directamente, como o da transparência e da publicidade.

    Neste sentido [...] foram promovidos contactos com várias empresas deste sector [...].

    Estes contactos, promovidos em 2006, cifraram-se na apresentação de convites a cinco empresas [...] foram analisadas pela Câmara Municipal as duas propostas apresentadas, que, na sequência dessa análise, decidiu aceitar a proposta apresentada pela TCN [...].

    A consulta promovida permitiu dar integral satisfação aos princípios da imparcialidade, da transparência e da publicidade, mesmo tratando-se da gestão privada municipal, e sendo certo que nenhuma lei impõe a realização de um concurso público ou de outro tipo de procedimento pré-contratual."

    A autarquia refere ainda o facto de ter dado uma ampla publicidade ao contrato.

    No entanto, a forma como decorreu o procedimento, explicitada nas várias alíneas do probatório e aqui sumariamente referida, está longe de ter garantido uma concorrência e uma igualdade de tratamento efectivas.

    A consulta exclusiva e directa a cinco empresas, da escolha da autarquia (28), a não divulgação pública do interesse na identificação de parceiros para a operação e o curto prazo fixado para apresentação de propostas (que levou duas delas a não as poder apresentar), impediram manifestamente que fossem trazidos ao procedimento todos aqueles que pudessem estar interessados em contratar.

    A verificada ausência de regras definidas e conhecidas para o procedimento, de critérios objectivos de selecção e de fundamentação da escolha não permitem também reconhecer a realização de um procedimento conforme com os princípios da transparência, igualdade e imparcialidade.

    A relevância e gravidade destes factos é tanto maior quanto os elevados valores envolvidos na operação.

    c) Enquanto parceria público-privada institucionalizada

    Se, perante a globalidade da operação, a constituição da sociedade de capitais mistos para a desenvolver e a atribuição a esta Sociedade da realização da operação urbanística e das obras incluídas no contrato, remuneradas pelas receitas da comercialização do empreendimento comercial e habitacional, optássemos pela qualificação da mesma como uma parceria público-privada, seríamos conduzidos a conclusão idêntica.

    Mesmo reconhecendo que o regime constante do Decreto-Lei n.º 86/2003, na redacção do Decreto-Lei n.º 141/2006, de 27 de Julho, não é aplicável ao caso, a verdade é que a necessidade de oferecer a todos os operadores económicos interessados a possibilidade de manifestarem o seu interesse no estabelecimento da parceria, numa base equitativa e transparente, decorre dos princípios constitucionais e comunitários aplicáveis e já referidos.

    Nos Processos Stadt Halle e C-29/04, Comissão contra Áustria, o TJCE afirmou claramente que as disposições do direito comunitário aplicáveis aos contratos públicos obrigam a entidade adjudicante a adoptar um procedimento equitativo e transparente quando selecciona o parceiro privado que, no quadro da sua participação na entidade de capital misto, efectua fornecimentos, realiza obras ou presta serviços ou quando adjudica um contrato público a uma entidade de capital misto.

    Na Comunicação Interpretativa da Comissão Europeia sobre a aplicação do direito comunitário em matéria de contratos públicos e de concessões às parcerias público-privadas institucionalizadas (PPPI), C(2007)6661, baseada na jurisprudência do TJCE, e, em concreto, no Processo C-324/98, Telaustria, refere-se ainda que, no que diz respeito a contratos não abrangidos pelas directivas, e "de acordo com os princípios da transparência e da igualdade de tratamento que decorrem do Tratado CE, os potenciais concorrentes devem ter acesso a informações adequadas sobre a intenção de a entidade adjudicante criar uma entidade de capital misto e de lhe confiar um contrato público ou uma concessão. O acesso a informações adequadas só pode ser assegurado mediante a publicação de um anúncio acessível às partes eventualmente interessadas antes da selecção do parceiro privado."

    É, de resto, hoje, esse o regime consagrado no Código dos Contratos Públicos, no âmbito do qual os contratos pelos quais são estabelecidas parcerias público-privadas são considerados contratos públicos cujo objecto abrange prestações que são susceptíveis de estar submetidas à concorrência de mercado e, por isso, sujeitos a procedimentação prévia que envolve anúncios públicos para apresentação de candidaturas (vd., designadamente, artigos 1.º, n.os 2 e 4, 16.º, nomeadamente o n.º 2, alínea f), e 31.º).

    Por tudo o que já se referiu, é manifesto que o procedimento em causa não se revestiu da publicidade, transparência e concorrência necessárias.

    4 - Da relevância da ilegalidade verificada

    Do que acima vem exposto, conclui-se pela omissão da realização de concurso público, devidamente publicitado no JOUE.

    Este procedimento era obrigatório nos termos dos artigos 48.º, n.º 2, e 52.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 59/99, de 2 de Março (29), e do artigo 6.º da Directiva n.º 93/37/CE, com as alterações da Directiva n.º 97/52/CE (30), e por força dos princípios constitucionais, legais e comunitários da igualdade, imparcialidade, concorrência, não discriminação, liberdade de estabelecimento, livre prestação de serviços e transparência.

    Este Tribunal tem entendido que o concurso público, quando obrigatório, é um elemento essencial do procedimento de adjudicação, pelo que a sua falta origina a nulidade do acto procedimental em que assentou a celebração do contrato, nos termos do disposto no artigo 133.º, n.º 1, do Código de Procedimento Administrativo. Mais tem entendido que essa nulidade se comunica ao contrato celebrado, nos termos do artigo 185.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo.

    Mesmo considerando a revogação deste artigo 185.º pelo artigo 14.º do Decreto-Lei n.º 18/2008, essa nulidade, podendo ser declarada a todo o tempo, origina a nulidade do contrato, nos termos do estabelecido no artigo 283.º, n.º 1, do Código dos Contratos Públicos.

    A nulidade é fundamento de recusa de visto, como estabelece a alínea a) do n.º 3 do artigo 44.º da Lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas (LOPTC) (31).

    A concorrência nos procedimentos de formação dos contratos públicos visa ainda aumentar a qualidade das propostas e baixar os respectivos custos, protegendo o interesse financeiro em dispor de condições para a obtenção da melhor proposta. A ilegalidade resultante de não ter sido assegurada a devida concorrência é, assim, também, susceptível de conduzir à alteração do resultado financeiro do procedimento adoptado e do subsequente contrato, o que igualmente constitui fundamento da recusa de visto a contratos sujeitos a fiscalização prévia do Tribunal de Contas, nos termos do disposto na alínea c) do n.º 3 do mesmo artigo 44.º

    5 - Decisão

    Pelos fundamentos indicados, e por força do disposto nas alíneas a) e c) do n.º 3 do artigo 44.º da Lei n.º 98/97, acordam os Juízes do Tribunal de Contas, em Subsecção da 1.ª Secção, em recusar o visto ao contrato acima identificado.

    São devidos emolumentos nos termos do artigo 5.º, n.º 3, do Regime Jurídico anexo ao Decreto-Lei n.º 66/96, de 31 de Maio, e respectivas alterações.

    Publique-se no Diário da República, após trânsito em julgado, nos termos do disposto no artigo 9.º, n.º 2, alínea f), da Lei n.º 98/97, na redacção da Lei n.º 48/2006, de 29 de Agosto.

    Lisboa, 12 de Maio de 2009. - Os Juízes Conselheiros: Helena Abreu Lopes, relatora - João Figueiredo - António Santos Soares, procurador-geral-adjunto - Jorge Leal.

    (1)...

    (2) Cfr. fls. 89 a 116 dos autos.

    (3) Cfr. fls. 91 a 93.

    (4) Cfr. fls 100 e 101.

    (5) Cfr, fls. 104 a 111.

    (6) Subscrito pela Sociedade de Advogados...

    (7) Vd. fls. 105.

    (8) Cfr. fls. 116.

    (9) Cfr. acta da reunião, a fls. 9 e seguintes.

    (10) Cfr. a mesma acta.

    (11) Cfr. acta da reunião da Câmara, a fls. 11.

    (12) Cfr. acta da reunião da Assembleia Municipal, a fls. 15 e seguintes do processo.

    (13) Cfr. fls. 16 e seguintes.

    (14) Vd. fls. 24 e seguintes dos autos.

    (15) Cfr. fls. 24

    (16) Cfr. fls. 35 e seguintes.

    (17) Cfr. fls. 44 e seguintes.

    (18) O segundo outorgante é o Vice-Presidente da Câmara Municipal da ..., em representação do Município da...

    (19) Vd., designadamente, as alíneas c), l), m), p) e x) do probatório.

    (20) Vejam-se, designadamente, os Acórdãos da 1.ª Secção, em Subsecção, n.os 79/01, 200/01, 31/02, 87/02, 88/02, 98/02, 100/02, 102/02, 103/02, 104/02, 6/03, 7/03, 12/03, 20/03, 22/03, 28/03, 29/03, 30/03, 31/03, 32/03, 42/03, 50/03, 79/03 e 23/04, e em Plenário, n.os 50/01, 2/02, 17/02, 26/02, 28/02, 5/03, 7/03, 10/03, 16/03, 17/03, 18/03, 20/03, 21/03, 25/03, 31/03, 37/03, 39/03, 49/03 e 21/04.

    (21) Cfr. alínea m.ix) do ponto 2 deste Acórdão.

    (22) Com as alterações introduzidas pela Lei n.º 163/99, de 14 de Setembro, e pelo Decreto-Lei n.º 159/2000, de 27 de Julho.

    (23) Vd. Despacho n.º 19545/2006, publicado no Diário da República, 2.ª série, de 25 de Setembro de 2006.

    (24) Cfr. ainda a Portaria n.º 701-C/2008, de 29 de Julho.

    (25) Cfr. fls. 82.

    (26) De acordo com o qual compete à Assembleia Municipal autorizar a Câmara a adquirir, alienar ou onerar bens imóveis, fixando as respectivas condições gerais, podendo determinar, nomeadamente, a via da hasta pública.

    (27) Por este diploma, como o Município invocou, não incluir as autarquias locais no seu âmbito de aplicação.

    (28) E em que a uma delas nem sequer foi garantida a espera pelo decurso do prazo para apresentação de propostas, uma vez que a decisão foi tomada antes de esse prazo expirar - Cfr. alíneas d), k), n) e q) do probatório.

    (29) Com as alterações introduzidas pela Lei n.º 163/99, de 14 de Setembro, e pelo Decreto-Lei n.º 159/2000, de 27 de Julho.

    (30) Vd. Despacho n.º 19545/2006, publicado no Diário da República, 2.ª série, de 25 de Setembro de 2006.

    (31) Lei n.º 98/97, de 26 de Agosto, com as alterações introduzidas pelas Leis n.os 87-B/98, de 31 de Dezembro, 1/2001, de 4 de Janeiro, 55-B/2004, de 30 de Dezembro, 48/2006, de 29 de Agosto, e 35/2007, de 13 de Agosto.

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