Acórdão n.º 6/2013
- Emissor:Tribunal de Contas
- Tipo de Diploma:Acórdão
- Parte:D - Tribunais e Ministério Público
- Número:6/2013
- Páginas:30271 - 30279
- Sumário
Recurso ordinário n.º 93/2013, processo de fiscalização prévia n.º 1654/2013 - nega provimento ao recurso e, em consequência, mantém a recusa do visto à renovação do contrato de concessão da exploração e manutenção da rede de transportes coletivos urbanos de passageiros de Vila real
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Texto
Acórdão n.º 6/2013
Recurso ordinário n.º 03/2013
Processo n.º 1654/2012
I. Relatório
1. A Câmara Municipal de Vila Real, através do respetivo Presidente, não se conformando com o teor do Acórdão n.º 3/2013, de 26.02, que recusou o Visto à renovação do contrato de concessão da exploração e manutenção da rede de transportes coletivos urbanos de passageiros de Vila real, celebrado em 20.11.2012 entre aquela entidade e a empresa «CORGOBUS - Transportes Urbanos de Vila Real, Sociedade Unipessoal, Lda.» no valor de (euro) 8 161 446,00, veio do mesmo interpor recurso jurisdicional, concluindo como segue:
«[...]
A. Vem o presente recurso interposto da douta decisão, constante do acórdão n.º 3/2013 - 26.FEV-1.ªS/SS, proferido nos autos supra identificados, no qual foi recusado o visto ao contrato de concessão de serviço público da exploração e manutenção da rede de transportes coletivos urbanos de passageiros de Vila Real (prorrogação), celebrado entre a Recorrente e a empresa "CORGOBUS - Transportes Urbanos de Vila Real, Sociedade Unipessoal, Lda.".
B. O tribunal fundamentou a decisão de recusa de visto na inaplicabilidade ao contrato a ele submetido do artigo 180.º do Código de Procedimento Administrativo (CPA), bem como na ausência de procedimento concorrencial obrigatório do contrato que considerou como novo e celebrado por ajuste direto.
C. O contrato celebrado em 20/05/2004 tem como objeto a exploração e manutenção, em regime de serviço público, da rede de transporte público, da rede de transportes coletivo urbano de passageiros por autocarro na cidade de Vila Real.
D. Este contrato, prevê expressamente a sua renovação (que na realidade é a sua prorrogação) por períodos adicionais de 10 anos.
E. O contrato prevê, desde logo e expressamente, alterações ao seu conteúdo, quando se refere que "...com a salvaguarda do equilíbrio económico-financeiro da concessão, tal como definido no estudo de viabilidade Económico-Financeira, acordar com a concessionária, alterações à concessão, nomeadamente através do reajustamento das linhas de concessão estabelecidos [...] ou criação de novas linhas de concessão".
F. Esta possibilidade de introduzir alterações (expressamente plasmada no contrato apesar de constar do art.º180.º CPA), permitiram reforçar a transparência às alterações que, com grande probabilidade, iriam ser introduzidas.
G. Assim, a efetivação destas alterações não colhe de surpresa qualquer terceiro nem viola o princípio da transparência e igualdade.
H. Pois sabiam todos quantos intervieram no concurso inicial que, mantendo-se o objeto, o conteúdo do contrato seria modificável se tal fosse do interesse municipal.
I. As alterações introduzidas não implicam a alteração do objeto do contrato.
J. O contrato que foi sujeito a fiscalização, aproveitando a data da sua prorrogação, introduz um conjunto de alterações de forma a torna-lo mais vantajoso para o Município e em resultado da experiência colhida na execução do contrato e as reais necessidades dos munícipes.
K. Constatando-se a desnecessidade de substituição imediata da frota no prazo inicialmente previsto, frota essa que poderia ser aproveitada por mais cinco anos, procedeu-se igualmente a nova prorrogação tendo em conta a hipotética validade da frota, fruto da experiência da execução do contrato.
L. Tal como as demais modificações introduzidas também a alteração do prazo da prorrogação respeita os elementos essenciais do contrato.
M. Efetivamente, estando prevista desde logo no contrato a possibilidade de ocorrerem várias prorrogações pelo prazo de dez anos, não desrespeita o contrato a decisão tomada de proceder, desde logo, a duas dessas prorrogações.
N. E as demais alterações introduzidas também não violam o objeto do contrato previsto no artigo 180.º, já que é diferente o objeto do contrato e o conteúdo das prestações dos contratantes, estas modificáveis de acordo com o interesse público e permitidas no mesmo artigo.
O. Segundo Esteves de Oliveira, com a imposição do respeito do objeto do contrato pretende significar-se que a Administração pode alterar as obrigações do cocontratante no que respeita à sua quantidade, modelo, qualidade, condições técnicas e jurídicas da execução, mas não lhe pode ordenar que passe a prestar uma atividade diferente daquela a que se comprometera" (vide Diogo Freitas de Amaral, Curso de Direito Administrativo, Vol. III).
P. O contrato sujeito a fiscalização não só não modifica o objeto, nem as alterações introduzidas resultam numa nova relação contratual celebrada por ajuste direto.
Q. Para além de não representarem a celebração de um novo contrato de concessão, o contrato acordado também não viola o princípio da concorrência.
R. Por um lado apenas o desrespeito grave de qualquer princípio deverá inquinar o procedimento, pois, os princípios devem acima de tudo orientar a conduta procedimental da Administração.
S. Quer no procedimento que antecedeu o contrato inicial, quer no concurso quer no próprio contrato, constam com clareza e transparência quer a possibilidade de várias prorrogações quer a possibilidade de alteração.
T. Ninguém foi pois surpreendido ou prejudicado face às alterações introduzidas e à prorrogação acordada, não podendo as mesmas, por isso, serem consideradas violadoras do princípio da concorrência.
U. Depois estas alterações permitiram a diminuição da subvenção que está a cargo da Câmara Municipal de Vila Real.
V. E, um procedimento concorrencial alternativo à negociação não garantia a diminuição dos custos associados ao contrato, pelo que o interesse municipal na prorrogação se tornou evidente.
W. A execução do contrato, nos termos atuais, representa um custo financeiro pesado para o município, pelo que era inequívoco o interesse na sua modificação, de modo a diminuir os custos associados, baseado na racionalização de recursos e no aumento de eficiência.
X. A ideia de que o princípio da concorrência deve prevalecer sobre os interesses públicos em questão, não é inequívoca nem se constata da apreciação do caso concreto.
Y. Aliás, admitindo-se que os princípios referidos têm em abstrato o mesmo valor normativo deveria ter sido ponderado o especial interesse público, motivado pelas implicações financeiras em jogo e pelas restrições financeiras atuais.
Z. No caso concreto em julgamento deveria ter sido atribuída prevalência ao interesse municipal, este manifesto, sobre uma hipotética violação do princípio da concorrência, que como se demonstrou, em nenhum momento foi desrespeitado.
AA. Há que ter em conta que as condições em que o contrato foi celebrado se alteram no decurso da sua execução, e de tal forma, que o conteúdo do contrato, celebrado ab initio deixa de respeitar qualitativamente, a melhor forma de prosseguir o interesse público.
BB. Só perante uma grave e comprovada violação do princípio da concorrência se poderá deixar de atender ao interesse público inequivocamente demonstrado e provado.
CC. Por último, mesmo considerando-se que o contrato sujeito a visto constitui um novo contrato (face às modificações nele introduzidas e aos limites referidos pelo acórdão à aplicação do artigo 180.º) mesmo assim, deveria o Tribunal, atendendo à situação de facto e aos argumentos expendidos, considerar existir interesse público justificativo da contratação por ajuste direto nos termos do n.º 3 do artigo 31.º do CCP, situação que não deixou de ser analisada pelo acórdão recorrido, por certo face às manifestas vantagens que, do contrato sujeito a visto, resultariam para o município.
[...].»
Termina, peticionando a procedência do recurso interposto, e, em conformidade, a substituição do acórdão recorrido por um outro que conceda o necessário visto ao contrato, atento o seu ajustamento ao preceituado no artigo 180.º, alínea a), do Código de Procedimento Administrativo, e, ainda, a prevalência do interesse público que legitima a aplicação do artigo 31.º, n.º 3, do Código dos Contratos Públicos.
2. Aberta vista ao Ministério Público, o ilustre Procurador-Geral Adjunto deduziu parecer, adiantando, em síntese, o seguinte:
- As alegações da recorrente reeditam a argumentação aduzida na fase de instrução do processo;
- Deparando-se-nos um novo contrato de concessão, tal implicaria, no domínio da respetiva formação, a observância do Código dos Contratos Públicos, e, em particular, dos artigos 1.º, n.º 2, 2.º, n.º 1, alínea c), 16.º, n.º 2, alínea c) e 31.º, n.º 1, que o integram;
- A ausência do procedimento legal devido [concurso público ou limitado por prévia qualificação] consubstancia a falta de um elemento essencial da adjudicação, o que determina a sua nulidade, que, por seu turno, se transmite ao contrato [vd. artigos 133.º, n.º 1, do C.P.A., e 283.º, n.º 1, do Código dos Contratos Públicos];
- Não resta demonstrado o alegado interesse público municipal que sustente a opção pelo ajuste direto [vd. artigo 31.º, n.º 3, do Código dos Contratos Públicos];
- Assim, e mantendo-se os pressupostos que ditaram a recusa do Visto, deverá ser confirmado o Acórdão sob recurso.
3. Foram colhidos os vistos legais.
II. Fundamentação
Ao longo do acórdão recorrido, considerou-se estabelecida, com relevância para a análise em curso, a factualidade inserta no introito deste aresto e, ainda, a seguinte:
1. Em 22.10.2002, o município de Vila Real procedeu à abertura de um concurso público internacional, visando a adjudicação, em regime de concessão de serviço público, da exploração e manutenção da rede de transportes coletivos urbanos de passageiros daquela cidade;
Após ultimação do procedimento, a concessão foi adjudicada à empresa CORGOBUS, tendo o correspondente contrato de concessão sido celebrado em 20.05.2004;
1.1.
- A referida concessão tem por objeto a exploração e manutenção, em regime de serviço público, da rede de transporte coletivo urbano de passageiros por autocarro na cidade de Vila Real, integrada pelas linhas constantes do Anexo I;
- A concessão em causa inclui, ainda, a realização de investimentos e obtenção dos correspondentes financiamentos [investimentos nas áreas da construção de equipamentos e aquisição de material circulante, e, bem assim, na área dos serviços necessários à manutenção e conservação do referido material, dos abrigos das paragens e segurança das zonas de apoio];
1.2. O contrato em causa, que prevê e estabelece o perímetro urbano de exclusividade [vd. n.º 1.1., alínea t] e delimita, ainda, o perímetro de transporte coletivo concedido [vd. ponto 10.], estabeleceu quatro linhas de concessão, substanciando-as com itinerários predeterminados e dentro dos quais opera a recolha e apeamento de passageiros;
1.3. O prazo da concessão era de dez anos, podendo as partes acordar a respetiva prorrogação [uma ou mais] por períodos de 10 anos, embora subordinando-as a solicitação da concessionária, a deduzir com a antecedência mínima de um ano relativamente ao termo do prazo da concessão e das prorrogações ajustadas [vd. 12., do contrato];
1.4. Segundo este contrato, a concessionária obrigou-se a dar cumprimento ao plano de investimentos [inclui construções e instalações, veículos de transporte e demais equipamentos] que consta de Anexo [vd. fls. 166, do processo];
Ainda nos termos deste instrumento contratual, o período de vida útil dos autocarros foi fixado em 10 anos, findo o qual devem ser substituídos integralmente e por veículos em número idêntico e estado novo [vd. pontos 14.1. e 14.2., do contrato];
1.5. A concedente, Câmara Municipal de Vila Real, obrigou-se, ainda, ao seguinte:
- ceder as instalações para aparcamento do material circulante, embora mediante contrapartida financeira e obrigação de realização de investimentos em montante determinada;
- a assegurar o equilíbrio financeiro da concessão em causa;
- ao pagamento de uma subvenção em montante concretamente quantificado e atualizada anualmente segundo um índice de revisão [vd. ponto 30, do contrato], cujo valor sobreviria à diferença entre receitas e custos totais;
1.6. Nos 10 anos subsequentes à celebração do contrato de concessão em apreço, apenas ocorreram reajustamentos pontuais, substanciados na criação, em 2005, da linha «Constantim/Ramginha-Praça da Galiza», e, em 2008, na introdução de uma linha noturna e alargamento dos transportes nos dias de sábado, domingos e feriados;
Alterações que geraram o redimensionamento da referida subvenção;
2. Em 05.03.2012, a Câmara Municipal de Vila Real deliberou que se solicitasse à concessionária «CORGOBUS» a apresentação, em 60 dias, de proposta tendente à prorrogação da concessão pelo prazo de 20 anos e que incidisse sobre o seguinte:
- Prazo de nova concessão;
- Redução de subvenção anual, com início em 2012;
- Modelo de partilha de riscos e receitas;
- Plano de modernização e renovação de material circulante;
- Plano de expansão da área de cobertura do serviço;
- Modelo de exploração para as áreas periféricas;
- Instalações;
- Plano de tarifário;
- Forma de atualização do tarifário;
- Sistema de bilhética;
- Horários das linhas a criar;
- Plano de modernização e manutenção do mobiliário urbano;
- Resgate da concessão;
E, no tocante à exploração [vertente económica]:
- Quadros detalhados relativos aos investimentos a realizar, amortizações, despesas financeiras, custo de exploração, receitas, contas de exploração previsionais, balanços provisórios, financiamento e taxas interna de rentabilidade.
2.1. Em 12.03.2012, e na sequência de deliberação da Câmara Municipal de Vila Real tomada em 05.03.2012, solicitou-se à concessionária «CORGOBUS» a apresentação, em 60 dias, de proposta adequadamente fundamentada para eventual prorrogação da concessão, a qual deveria contemplar a matéria discriminada em II. 2., deste acórdão.
2.2. Em 25.06.2012, a Câmara Municipal de Vila Real, apoiada em parecer emitido pelo Departamento administrativo e Financeiro [sustentava a aprovação da proposta apresentada pela concessionária «CORGOBUS» a propósito da renovação da concessão pelo período de 20 anos], decidiu a notificação desta empresa da aprovação da proposta por si elaborada e solicitar à mesma a apresentação de uma proposta final que integrasse, também, respostas às exigências suscitadas pela edilidade [vd. parecer junto a fls. 50 e seguintes do processo];
2.3.
- Em 26.07.2012, a concessionária «CORGOBUS» apresentou nova e final proposta que, embora inovando no plano do valor da bilhética, acolheria, no essencial, as exigências adiantadas pela Câmara Municipal de Vila Real [vd. informação técnica dos serviços da Câmara Municipal competentes e junta a fls. 82 e segs.];
- A informação técnica elaborada a propósito pelos serviços competentes da Câmara Municipal de Vila Real, para além de não enjeitar a possibilidade da abertura de concurso público tendente à adjudicação de nova concessão pelo período de 20 anos, atentava no valor da subvenção anual, delimitando-lhe o eventual acréscimo, e, bem assim, na necessidade da salvaguarda da garantia da exclusividade por parte da concedente;
2.4. Em 10.09.2012, a Câmara Municipal de Vila Real deliberou aprovar a renovação, pelo período de 20 anos, da concessão de exploração e manutenção da rede de transportes coletivos urbanos de passageiros, mantendo a empresa «CORGOBUS» como concessionária; Deliberação ratificada pela Assembleia Municipal em 28.09.2012, que, assim, aprovou a renovação da concessão em apreço;
2.5. Em 22.10.2012, a Câmara Municipal de Vila Real aprovou a minuta do contrato de renovação do contrato de concessão [vd. fls. 91 e segs., do processo] que, no essencial e resumidamente, prevê o seguinte:
- A renovação do contrato de concessão opera por 20 anos, sendo que o objeto desta se traduz na exploração e manutenção, em regime de serviço público, da rede de transportes coletivos urbanos de passageiros, por autocarro, de Vila Real;
- A concessão é integrada por seis linhas, admitindo-se, ainda, a alteração destas e a concessão de três novas linhas [vd. cláusula 2.ª do contrato], decorrido o prazo das atuais concessões atribuídas a empresas do setor pelo I.M.T.;
- Estipula-se uma subvenção anual de (euro) 295 000,00 até ao ano 2020, abrindo-se a possibilidade de, posteriormente, tal valor ser objeto de acréscimo até à percentagem de 15 % sobre o valor atualizado da subvenção;
- Estabelecem-se mecanismos de revisão anual da subvenção, tarifas e receita bilhética através de fórmula de fixação devidamente explicitada [vd. cláusulas 5.ª e 6.ª do contrato];
- Consigna-se um modelo diverso de partilha de riscos e receitas [vd. cláusula 7.ª do contrato];
- Quantifica-se e disciplina-se a remuneração do alargamento da rede [linhas 11, 13 e 14];
- Contempla a obrigação da realização de novos investimentos [frota e outros] por banda da concessionária e até 2020 [vd. cláusula 2.ª do contrato];
- Em adenda ao contrato mostra-se vertido o preço contratual anual a pagar pela concedente à concessionária, no valor de (euro) 8 161 446,00 [s/IVA] e que integra o valor das subvenções previstas na cláusula 4.ª e decorrentes do alargamento da rede;
- O alargamento da rede induzirá o transporte gratuito dos alunos do ensino obrigatório ora servidos por carreiras locais concessionadas e a eliminar [vd. adenda ao contrato];
2.6. Ao longo da «instrução» do processo [ainda em fase administrativa e anterior à prolação do acórdão sob recurso], a Câmara Municipal foi instada por este Tribunal a prestar esclarecimentos quanto à prorrogação/renovação do contrato e respetivo prazo, e, bem assim, a propósito das alterações introduzidas à concessão e que se estendem ao alargamento do perímetro concessionado, à publicidade, ao transporte de alunos, ao modelo de partilha de receitas e riscos, à renovação da frota e investimentos, e, por fim, foi convidada a pronunciar-se sobre as vantagens da solução adotada com o presente instrumento contratual [renovação do contrato de concessão de exploração...], tendo a mesma respondido conforme se alinha, sob itálico, a fls. 10 a 17, do aresto recorrido, e que se transcreve:
«a) "Na verdade, o ponto 4 da Secção I do caderno de encargos e o ponto 12.2 do contrato de concessão [...] referem o seguinte: 'O prazo da concessão é de 10 anos, considerando-se iniciado no dia seguinte ao da assinatura do contrato, podendo renovar-se por períodos adicionais de 10 anos, por acordo expresso de ambas as partes, a celebrar, o mais tardar até um ano antes do termo do prazo'.
Da análise deste preceito, resulta desde logo que não foi fixado um prazo certo para a duração do contrato, não tendo sido imposto um limite de tempo máximo para a prestação dos serviços a contratar, isto porque, a possibilidade estabelecida da sua renovação por períodos adicionais de 10 anos, permite que a relação contratual se possa prolongar no tempo.
Significa isto, em termos práticos, que caso o contrato seja renovado atualmente por um período de 10 anos, terminado este período, é permitido às partes, se assim o entenderem, proceder a nova renovação, não existindo assim qualquer imposição contratual para que o Município, nessa altura, tenha de proceder à abertura de novo concurso público para a adjudicação dos serviços em causa.
Por sua vez, o ponto 8.3 do contrato inicial dispõe que "O concedente pode, em qualquer altura, e com salvaguarda do equilíbrio económico-financeiro da concessão, tal como definido no Estudo de Viabilidade Económico-Financeira, acordar com a concessionária, alterações à concessão, nomeadamente através do reajustamento das linhas da concessão estabelecidos [...] ou criação de novas linhas de concessão".
Ou seja, está expressamente prevista a possibilidade de serem efetuadas por acordo, alterações à concessão, nas quais se inclui a eventual modificação do seu prazo assim como da frequência das prorrogações.
Refira-se ainda que, em sede de análise das propostas neste concurso, o prazo contratual não constituiu critério de adjudicação [...].
Assim, atendendo à conjugação destas disposições, as quais constam igualmente do clausulado do contrato de concessão, consideramos que será contratualmente possível uma alteração do prazo da concessão, a acordar entre as partes, no sentido de permitir um prazo de renovação superior ao previsto, sem comprometer a concorrência que esteve subjacente à celebração do contrato inicial.
Importa ainda referir que, atendendo às razões que estão subjacentes a esta alteração, que se revestem de interesse eminentemente público (rentabilização da frota, permitindo por um lado a diminuição da subvenção à exploração devida pela Câmara Municipal e garantindo-se por outro, a sustentabilidade deste serviço público), considera-se o prazo de 20 anos, o estritamente necessário para os fins pretendidos, razão pela qual, e como forma de manter o equilíbrio económico do contrato, foi apenas acordada uma única renovação pelo período de 20 anos, não sendo possível qualquer outra renovação contratual para além deste prazo";
b) "Quanto ao objeto contratual, é evidente que as alterações pretendidas não introduzem qualquer modificação ao seu objeto, uma vez que, não é inserida qualquer alteração ao modo de exercício assim como à natureza das prestações a cargo de qualquer uma das partes, mantendo-se assim inalterada a concessão, em regime de serviço público, da exploração e manutenção da rede de transporte coletivo urbano de passageiros por autocarro na cidade de Vila Real. Por outro lado, é mantido o equilíbrio financeiro do contrato já que a alteração da duração contratual pretendida, visa precisamente repor a neutralidade relativamente aos interesses económicos subjacentes ao contrato";
c) "A possibilidade de renovação do prazo da concessão por mais 20 anos, ou seja, dois períodos de 10 anos prende-se com a ideia de rentabilização da atual frota de autocarros que poderá/deverá ser aproveitada pelo menos por mais 5 anos, considerando-se, desde já, para a próxima frota, um prazo de 15 anos, indexado ao período de vida útil da nova frota.
Na verdade, o prazo inicial da concessão e respetivas renovações deveria ter sido indexado ao período de vida útil das frotas, ou seja, deveria ter sido fixado em pelo menos 15 anos, o que representaria um ganho financeiro objetivo para o Município, concretizado, desde logo, na redução do pagamento da subvenção à exploração devida pela Autarquia nos termos do contrato, pela prestação do serviço público em face do desequilíbrio financeiro da atividade dos Transportes Urbanos em Vila Real, garantindo-se assim a sustentabilidade deste serviço público.
A alteração deste prazo e a sua indexação ao período de vida útil das frotas baseia-se, aliás, na experiência obtida nesta área e corroborada pelos dados conhecidos e publicados pelo IMTT [...].
Com a renovação de apenas 10 anos não fica acautelada a rentabilização da frota de autocarros [...].
Na conjuntura atual de fortes e crescentes restrições orçamentais, o Município não se pode "dar ao luxo" de não rentabilizar uma frota de autocarros que ainda pode ser aproveitada por mais 5 anos e, como não é possível uma prorrogação do prazo por 5 anos, decidiu-se pela prorrogação de dois períodos de 10 anos.
Assim, terminando o contrato atual em 20/11/2014, considerámos que, tendo em atenção a morosidade dos procedimentos administrativos inerentes a este tipo de contratos e a possibilidade de se reduzir, desde já, a atual subvenção municipal, ser este o momento certo para a decisão de prorrogação nos termos anteriormente referidos.
Consequentemente, com esta prorrogação do prazo indexado à vida útil das frotas, torna-se possível reduzir o valor anual da Subvenção Municipal para (euro) 295 900, o que representa uma poupança aos cofres do Município de (euro) 837 653 até 20/11/2014, data limite do atual contrato, e uma poupança de (euro)7 322 075, correspondente a 55,3 %, com a renovação por dois períodos de 10 anos [...].
Por outro lado, a par desta prorrogação do prazo, aproveitou-se a oportunidade para se aperfeiçoar uma série de aspetos do contrato inicial, em benefício do Município, tornando-o mais claro e de fácil compreensão, de acordo com os princípios que devem orientar este tipo de parcerias: Transparência, Realismo, Objetividade.
Na verdade, o ponto 8.3 do Contrato de Concessão inicial refere que: "O concedente pode, em qualquer altura, e com salvaguarda do equilíbrio económico-financeiro da concessão, tal como definido no Estudo de Viabilidade Económico-Financeira, acordar com a concessionária, alterações à concessão, nomeadamente através do reajustamento das linhas da concessão estabelecidos no Anexo Vou criação de novas linhas de concessão". Ou seja, está expressamente prevista a possibilidade de serem efetuadas por acordo, alterações à concessão".
i. "A obrigatoriedade de substituição integral da frota ao fim de 10 anos, é feita no pressuposto da renovação da concessão por mais 10 anos. A cláusula 36.ª do contrato inicial reforça este pressuposto ao prever que a CM tem de indemnizar a empresa no valor correspondente às amortizações em falta dos autocarros afetos à concessão. Conforme consta no Modelo Financeiro Plano de Investimentos da proposta da CTSA do concurso público internacional de 2003 [...], a receita da concessão e a Subvenção Municipal só garantem a recuperação do investimento de aquisição da frota inicial, e não a aquisição de duas frotas, a inicial e uma nova no final da concessão.
ii. A substituição da frota atual por uma nova em 2019 tem a ver com a possibilidade de renovação do prazo da concessão por 20 anos, ou seja, dois períodos de 10 anos, e com a ideia de rentabilização da atual frota de autocarros pelo menos por mais 5 anos, considerando-se, desde já, para a próxima frota, um prazo de 15 anos, indexado ao período de vida útil da nova frota, com base na experiência obtida nesta área e corroborada pelos dados conhecidos e publicados pelo IMTT em que nas viaturas urbanas têm um período de vida médio entre 10 a 15 anos";
d) "[O] modelo inicial assenta no pagamento de uma subvenção municipal prevista no modelo financeiro teórico e calculada com base na diferença entre os passageiros teóricos e os passageiros comprometidos multiplicados pela tarifa média de referência de 0, 5938 ((euro) 480 020,79/808 388 passageiros), a atualizar de acordo com uma fórmula polinomial.
No final do ano é feito um acerto à subvenção prevista no modelo financeiro teórico atualizada, no valor resultante do produto entre o n.º de passageiros comprometidos na proposta e a diferença entre a tarifa média de referência atualizada e a tarifa média real apurada (receitas reais/passageiros reais), existindo lugar a um pagamento adicional caso esta diferença seja positiva e a um crédito no caso contrário.
O Modelo de Partilha de Receitas e de Riscos que agora se propõe [...] assenta na Receita Bilhética, agora que a procura está estabilizada.
e) A despesa municipal com [as subvenções a pagar pelas novas linhas], no valor global de (euro) 112 172,30/ano é compensada pela diminuição da despesa com os circuitos de transportes escolares integrados nestas linhas, que representam uma despesa de (euro) 149 093,25 uma vez que o Transporte dos Alunos do ensino obrigatório passa a ser gratuito, para além de ser assegurado durante todo o ano e não apenas no período escolar.
Os valores destas subvenções serão objeto de correção ao fim de 2 anos, de acordo com relatório detalhado [...], a ser elaborado pelo Revisor Oficial de Contas.
No entanto, a expansão da concessão para além dos limites do perímetro urbano [...] só poderá efetivar-se após autorização do Instituto da Mobilidade e dos Transportes [...] e tendo o seu início no fim do prazo das atuais concessões a operadores locais, caso o mesmo não seja antecipado através do seu resgate com as devidas indemnizações a estes operadores.
Por sua vez a CORGOBUS garantirá o transporte da totalidade dos alunos, atuais e futuros, servidos pelas atuais concessões e proporcionará aos residentes, nos lugares de baixa densidade que deixarem de ser servidos pelas atuais concessões, soluções de transporte a pedido";
f) "[...] as empresas operadoras de transportes que exercem atividade fora da zona concessionada, são as seguintes:
RODONORTE -Transportes Portugueses, S. A.
Auto Viação do Tâmega, Lda.
Alfandeguense, SA
A Câmara Municipal não possui quaisquer autocarros de passageiros e não detém qualquer tipo de participação nestas empresas, mantendo com elas uma relação comercial normal em termos de prestação de serviços na área dos transportes, pagando as suas faturas num prazo médio inferior a 60 dias.
O município não celebrou quaisquer contratos com estas empresas de transportes públicos, uma vez que estes são prioritários nos transportes escolares nos termos dos artigos 6.º e 13.ºdo Decreto-Lei n.º 299/84 de 5 de Setembro";
g) "[I]nforma-se que os transportes escolares de Vila Real são assegurados por empresas da especialidade e uma IPSS:
- Empresas de transportes coletivos de passageiros, com autocarros: RODONORTE - Transportes Portugueses, SA. Auto Viação do Tâmega, Lda, Alfandeguense, SA e CORGOBUS, Lda., que asseguram o transporte de 1 286 alunos em 16 circuitos, e representam uma despesa global no presente ano letivo de (euro) 813 669,95.
- Empresas de transporte de passageiros ligeiros, com veículos de aluguer licenciados para o efeito nos circuitos especiais (16 Táxis e 21 carrinhas de 9 lugares) que asseguram o transporte de 199 alunos: 165 desde as aldeias até aos estabelecimentos escolares EB1, e 34 das aldeias até aos pontos de paragem dos Transportes Públicos, e representam uma despesa global no presente ano letivo de (euro) 139 512,80;
- APCVR - Associação de Paralisia Cerebral de Vila Real, IPSS que assegura o transporte de 22 alunos com Necessidades Educativas Especiais, em 2 Miniautocarros adaptados para o efeito e com pessoal especializado, e representa uma despesa global no presente ano letivo de (euro)40 250,00.
[...] [O]s custos dos transportes escolares de 1 507 alunos representam no ano letivo 2012/2013 a importância de (euro) 993 432,30 [...]."
h) "[...] o pagamento da subvenção referente às três novas linhas [...] só será efetuado na exata medida da entrada em funcionamento de cada uma delas, o que pode acontecer de uma forma faseada, uma vez que as atuais concessões a Operadores de Transportes atribuídas pelo IMT [...], terminam em datas diferentes, duas das quais apenas em 2017.
Só haverá pagamento de uma subvenção ao longo de 20 anos se o início da exploração destas linhas ocorrer em 2014, e tal só será possível no caso de a CORGOBUS assumir as indemnizações às empresas operadoras de transportes pelo resgate antecipado das atuais concessões do IMT.
Independentemente do início das linhas do "Alargamento da Rede" a data limite da exploração destas linhas será coincidente com a data limite da concessão inicial, ou seja, 20 de Novembro de 2034";
i) "[I]nforma-se que atendendo à conjugação das disposições constantes do contrato de concessão em análise e respetivo caderno de encargos, consideramos, que é contratualmente possível uma alteração, do prazo da concessão assim como outros reajustes à concessão com salvaguarda do equilíbrio económico-financeiro da mesma, por acordo entre as partes, razão pela qual, não se optou por lançar mão de um procedimento de concurso público".
j) "Na verdade, o ponto 8.3 do Contrato de Concessão inicial refere que:
"O concedente pode, em qualquer altura, e com salvaguarda do equilíbrio económico-financeiro da concessão, tal como definido no Estudo de Viabilidade Económico-Financeira, acordar com a concessionária, alterações à concessão, nomeadamente através do reajustamento das linhas da concessão estabelecidos no Anexo V ou criação de novas linhas de concessão".
Ou seja, está expressamente prevista a possibilidade de serem efetuadas por acordo, alterações à concessão.
Neste sentido, reajustaram-se os seguintes aspetos:
i. Cria-se um Modelo de Partilha de Riscos e Receitas assente na Receita Bilhética, critério facilmente validado. Este é um dos aspetos marcantes a salientar da negociação ocorrida.
Agora que a procura começa a ficar estabilizada, tomou-se como referência de receitas bilhética o valor fixo anual de (euro) 1 020 00 tendo em consideração as arrecadadas nos últimos 3 anos [...], ou seja:
- Se as receitas de bilhética excederem o valor de (euro) 1 020 000, então o diferencial será repartido da seguinte forma: 60 % para a CM e 40 % para a CORGOBUS;
- Se as receitas de bilhética forem inferiores em pelo menos 15 % do valor de referência, ou seja, inferiores a (euro) 867 000, então o diferencial para este limiar será repartido da seguinte forma: 50 % para a CM e 50 % para a CORGOBUS;
A CM passa a partilhar as receitas provenientes da publicidade no material circulante, do aluguer de autocarros e de qualquer tipo de financiamento público ou comunitário [...].
ii. Clarifica-se a fórmula do índice de atualização da Subvenção Municipal Anual, da Receita '"Bilhética Anual de Referência e das Tarifas, bem como as fontes de informação dos seus dois fatores: Gasóleo e Restantes Custos. Para a Variação Gasóleo - é utilizado o índice publicado pela DGEG - Direção Geral de Energia e Geologia. Para os Restantes Custos é utilizado o índice de Preços ao Consumidor publicado pelo INE.
iii. Fica acautelada a qualidade dos investimentos a realizar até 2020, através da aprovação prévia e atempada por parte da CM, tendo-se como referência tipo as especificações técnicas constantes dos catálogos incluídos na proposta [...].
iv. A CM passa a nomear um ROC [...], como Fiscal Único da CORGOBUS a quem compete, para além das competências que lhe são atribuídas pela lei comercial, assegurar a fiscalização financeira da concessão, remetendo ao executivo municipal informação [...]. A CORGOBUS suporta a despesa com o ROC [...].
v. Passou a considerar-se como «Pagamentos em atraso» para efeitos de juros moratórios as contas a pagar que permaneçam nessa situação mais de 90 dias posteriormente à data de vencimento especificada na fatura, à taxa de juro EURIBOR a 3 meses. Este conceito foi retirado da Lei n.º 8/2012, de 21 de Fevereiro (Lei dos Compromissos).
vi. A CORGOBUS compromete-se a manter a Sede Social, Fiscal e Operacional da empresa em Vila Real;
i. Fica definido que a Câmara Municipal tem a possibilidade de denunciar o contrato, antes de ser efetuado o investimento na nova frota, para entrar em funcionamento a partir de dezembro de 2019, e sem qualquer contra partida, tendo em consideração alterações fundamentais ou substanciais das circunstâncias do mesmo, nomeadamente no caso de se verificar qualquer impedimento legal da concessão.
ii. Por último, existe a ainda a possibilidade contemplada no contrato e respetivo caderno de encargos, que se prende com o Alargamento da Rede de transportes para além dos limites do perímetro urbano da cidade de Vila Real através da criação de três novas linhas para as freguesias suburbanas [...] o que se traduzirá numa poupança anual de (euro) 36 921 nas despesas que o município suporta com os transportes escolares dos alunos do ensino obrigatório, atualmente servidos por carreiras locais concessionadas pelo IMT que serão eliminadas, representando durante 20 anos uma poupança de (euro) 738 419 [...], para além de se disponibilizar este serviço público às populações que o têm reivindicado, podendo a CM vir a partilhar receitas nos termos do modelo previsto.
Note-se, que as razões que estão subjacentes aos reajustes referidos anteriormente tais como a diminuição da subvenção à exploração devida pela Câmara se revestem de interesse eminentemente público.
Assim, atendendo à conjugação destas disposições, as quais constam igualmente do clausulado do contrato de concessão, concluímos, que é contratualmente possível uma alteração, do prazo da concessão assim como outros reajustes à concessão com salvaguarda do equilíbrio económico-financeiro da mesma, por acordo entre as partes, razão pela qual, não se optou por lançar mão de um procedimento de concurso público.»
Sobre as vantagens da solução adotada, a Câmara Municipal de Vila Real referiu, ainda, o seguinte:
«i. Desde logo a CM consegue uma poupança de (euro) 837 653 nas subvenções a pagar até ao final do atual contrato, Novembro de 2014;
ii. É reduzido o valor anual da Subvenção Municipal para (euro) 295 900, o que na renovação por dois períodos de 10 anos representa uma poupança ao Município de (euro)7 322 075, correspondente a 55,3 %;
iii. Evita-se a alienação da frota, previsivelmente com fracos resultados, face à reduzida procura que este tipo de viaturas usadas por parte de outros municípios ou de empresas públicas/privadas de transportes urbanos.
Note-se que em caso de extinção do contrato, no termo da concessão, Novembro de 2014, todos os bens revertem para a CM em devido estado de conservação e de funcionamento e perfeitas condições de operacionalidade, livres de ónus, gratuitamente se estiverem completamente amortizados, caso contrário passarão para a CM mediante o pagamento do valor por amortizar;
iv. Evita-se indemnizar a CORGOBUS, nos termos da cláusula 36.ª do contrato inicial, no valor de (euro) 67 500 correspondente às amortizações em falta, à data de Nov. de 2014, dos dois autocarros adquiridos em 2008 afetos à concessão, conforme aditamento ao contrato;
v. Evita-se despedir 28 trabalhadores da CORGOBUS e indemnizar a empresa, conforme cláusula 36.ª do Contrato Inicial, no valor estimado em (euro) 198 000 referente ao custo das indemnizações devidas ao pessoal por cessação dos Contratos de Trabalho, nos termos da legislação em vigor.»
3. A factualidade considerada assente no domínio do acórdão recorrido não foi objeto de impugnação e acréscimo por banda da entidade recorrente, pelo que, se mantém.
III. Da Fundamentação
O Direito
Face ao teor das conclusões extraídas em sede de alegações do recurso interposto pelo município de Vila Real e que, por imperativo legal, delimitam o objeto deste último, erguem-se questões de que importa conhecer e que sumariamos pela forma seguinte:
- Caraterização técnico-jurídica do instrumento contratual em apreço;
- Limites à modificação dos contratos público-administrativos e regime jurídico aplicável, nas vertentes interna e supranacional;
- Delimitação do conceito «objeto do contrato»;
- Alterações/renovação do contrato de concessão inicial e a respetiva conformação com o Direito aplicável;
- Consequências extraíveis;
- Das ilegalidades e o Visto.
A. Do instrumento contratual em apreço e respetiva caraterização.
Conforme já se assinalou no acórdão recorrido, a entidade recorrente, seja no âmbito da formação do contrato inicial, seja na condução do procedimento que conduziu à sua alteração, invoca, indistintamente e aquém do rigor, as expressões «prorrogação» e «renovação», do contrato.
De resto, e concretizando, o município de Vila Real, ao tempo da formação do contrato inicial e em sede do caderno de encargos, recorre ao termo «renovação», para, posteriormente, e já no domínio do procedimento conducente à alteração contratual sob análise, empregar a expressão «prorrogação».
Curiosamente, diga-se, o instrumento contratual em apreço denomina-se, certamente por vontade das partes intervenientes, renovação do contrato de concessão.
Como é sabido, a doutrina e, até, a normação [vd. artigo 1054.º, n.º 2, do Código Civil] em vigor imprimem clara distinção entre tais conceitos, sendo ajustado afirmar [aliás, na esteira de Rui Alarcão, in A Confirmação] que se nos depara a configuração da «renovação contratual» quando, refazendo um negócio jurídico celebrado e vigente, se conclui sobre o seu objeto um outro negócio, que acolhe, no essencial e substancialmente, o conteúdo do primeiro e o substitui por tempo idêntico.
Por outro lado, a «prorrogação contratual» reconduz-se à ampliação do prazo de vigência do contrato inicial, com manutenção integral do conteúdo do mesmo.
«In casu», e por um lado, o prazo fixado no instrumento contratual em apreço diverge claramente do previsto no contrato inicial de concessão, e, por outro, verificam-se importantes inovações relativamente ao conteúdo deste último [vd., entre o mais, alteração da área de intervenção da concessão resultante do alargamento da rede e modificações nas vertentes dos investimentos e da partilha de riscos e receitas].
O instrumento contratual «subjudice» pela sua configuração atípica, não enforma, pois, os conceitos técnico-jurídicos da renovação e ou prorrogação contratuais.
Em fase adequada deste aresto, ajuizaremos da sua recondução ou não ao conceito de verdadeiro e novo contrato de concessão.
B. Da normação e princípios aplicáveis, interna e supranacionalmente.
As alegações de recurso deduzidas pela entidade recorrente, e, ainda, as conclusões que lhes são subsequentes revelam, sem equívoco, que a renovação, ou, mais rigorosamente, a modificação contratual operada assentou a respetiva legitimação no artigo 180.º, alínea a), do Código do Procedimento Administrativo, em redação anterior à revogação resultante da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29.01, que aprova o Código dos Contratos Públicos.
Vejamos, pois, se a norma invocada [artigo 180.º, alínea a), do Código do Procedimento Administrativo, entretanto revogado], só por si, legitima o instrumento contratual em causa [a apelidada «renovação do contrato de concessão»], dispensando e afastando outros princípios e regras convocáveis, com origem interna e supranacional.
Contudo, e previamente ao desenvolvimento que faremos da questão assim equacionada, não deixaremos de, abreviadamente, vincar que o instrumento contratual ora submetido a visto e o contrato inicial donde deriva, configuram, na verdade, um contrato administrativo, atento o seu objeto e as cláusulas contratuais que o compõem [vd. artigo 178.º, n.º 2, alínea n), do C.P.A., vigente à data da celebração do contrato inicial, e os artigos 278.º e 279.º, do Código dos Contratos Públicos e aprovado pelo Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29.01]. E, na explicitação de tal conceito, diremos que se nos deparam instrumentos contratuais de prestação de serviços para fins de imediata utilidade pública.
1. Da invocação do artigo 180.º, do C.P.A.[redação anterior à introduzida pelo Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29.01].
O artigo 180.º, alínea a), do C.P.A. [vigente à data - 26.11.2004 - da celebração do contrato de concessão inicial], sob a epígrafe «poderes da Administração» dispunha o seguinte:
«Salvo quando outra coisa resultar da lei ou da natureza do contrato, a Administração Pública pode...modificar unilateralmente o conteúdo das prestações, desde que seja respeitado o objeto do contrato e o seu equilíbrio financeiro.»
Consagrava-se, assim, o direito da Administração [também denominado «iusvariandi» e «fait du Prince»] de introduzir, unilateralmente, certas modificações no regime das prestações a fazer por particulares vinculados por contrato administrativo.
Direito que, na expressão de Hauriou, sobrevém «à luta do direito, que gosta da estabilidade das situações adquiridas, contra a mobilidade dos acontecimentos» e, sob a nossa óptica, assenta no caráter marcadamente dinâmico que carateriza as relações contratuais constituídas sob a égide do direito público e, até, privado.
Porém, e acentue-se, a citada modificação unilateral subordina-se à observância de vários limites, quais sejam o respeito pelo objeto do contrato e a garantia do equilíbrio financeiro, para além de dever repousar em razões e exigências de interesse inequivocamente público(1).
Apesar do exposto, importará lembrar que o instrumento contratual em causa resultou, não de uma modificação unilateral do contrato operada pelo município de Vila Real enquanto Administração, mas sim do acordo estabelecido entre as partes que outorgaram no contrato de concessão inicial.
E, deste modo, não se perfila uma modificação contratual a reger pelo artigo 180.º do C.P.A. [versão anterior à vigência do Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29.01].
E, com Maria João Estorninho,(2) diremos que tal situação não traduz uma situação de exercício do denominado «iusvariandi» atribuído à Administração, mas uma modificação contratual resultante do acordo das partes, que, sublinhe-se, é também admissível face aos quadros legislativo e doutrinário vigente se se aproxima da solução encontrada no âmbito do direito privado e plasmada no artigo 437.º, do Código Civil.
2. Da modificação contratual em geral e respetivos limites.
Embora a modificação contratual em apreço não se abrigue, de modo direto, à disciplina contida no citado artigo 180.º, do C.P.A., é indiscutível que a ainda denominada modificação consensual do contrato administrativo, para além de dever assentar em razões de interesse marcadamente público e de limitado pela intangibilidade do objeto contratual [sob pena de se perfilar um novo contrato], não poderá prejudicar a manutenção das prestações principais abrangidas pelo objeto do contrato e o correspondente equilíbrio financeiro, sendo-lhe ainda vedado configurar uma situação que tenda a impedir, restringir ou falsear a concorrência garantida pelo procedimento pré-contratual.
Limites que, ao tempo de celebração do contrato de concessão inicial, e por força dos princípios gerais da contratação pública [de cariz nacional e comunitário] vertidos nos Tratados, nas Diretivas Comunitárias e na Constituição, já imperavam e reclamavam observância, como demonstraremos, de seguida.
2.1. É, hoje, inquestionável que o procedimento administrativo tendente à celebração de contratos para a prossecução de tarefas públicas se ancora, primacialmente, no direito da União Europeia e, nomeadamente, nos princípios que informam o exercício dos poderes de conformação pelos contraentes públicos(3).
Daí a premência da sua invocação como fator privilegiado de sustentação do entendimento seguido no concernente aos limites de modificação [consensual e unilateral] do contrato administrativo e onde incorporaremos alguma da jurisprudência do T.J.C.E. mais representativa e respetiva anotação.
Neste sentido destacamos:
- A Diretiva n.º 2004/17/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31.12.2004 [também invocada no acórdão recorrido] e que aponta no sentido de as entidades adjudicantes deverem tratar os operadores económicos segundo os princípios da igualdade de tratamento, da não discriminação e da transparência;
- A Comunicação Interpretativa da Comissão n.º 2000/C-121/02 [a propósito das concessões em direito comunitário], aí se vincando a sujeição das concessões aos princípios consagrados na jurisprudência do Tribunal de Justiça da União europeia [abreviadamente, T.J.U.E.] e onde se incluem os princípios da não discriminação, transparência, igualdade de tratamento e da proporcionalidade;
- A Comunicação Interpretativa da Comissão n.º 2008/C91/02 [acerca da aplicação do direito comunitário em matéria de contratos públicos e de concessões às P.P.P.I.], que, para além de admitir a repercussão da evolução sentida nos planos económico, jurídico e técnico na vida e substância dos contratos, sublinha, também, que a correspondente modificação contratual deverá respeitar os princípios da igualdade de tratamento e da transparência e a alteração dos termos essenciais do contrato não prevista nos cadernos de encargos obriga à abertura de novo concurso;
- E, na peugada dos acórdãos proferidos nos processos n. os C-337/98 e C-496/99 [Comissão contra França e CAS SuccidiFrutta [entre outros!], do T.J.C.E., esta mesma Comunicação Interpretativa, a modos de explicitação, considera que um termo é essencial, em especial, quando se trata de uma estipulação que, se tivesse constado do anúncio do concurso ou do caderno de encargos, teria permitido aos concorrentes apresentar proposta substancialmente diferente;
- A Diretiva n.º 2004/18/CE [vd. artigos 31.º e 61.º], onde se considera que as modificações dos termos essenciais de uma concessão de serviços não previstos na documentação da consulta só são aceitáveis se tornadas necessárias por alguma ocorrência imprevista ou determinadas por razões de ordem pública, segurança e saúde públicas [neste sentido, ainda o artigo 46.º, do Tratado C.E.];
- Por sua vez, o Livro Verde sobre o Direito Comunitário em matéria de Contratos Públicos e Concessões [de 30.04.2004], após afirmar que as modificações não enquadradas nos documentos contratuais têm, frequentemente, por efeito a violação dos princípios da igualdade de tratamento dos operadores económicos, adianta que a admissão das mesmas só poderá sobrevir a acontecimentos imprevisíveis ou decorrer de razões de ordem, segurança e saúde públicas;
E, na citação do acórdão de 05.10.2000, do T.J.C.E. [vd. processo C-337/98, Comissão/França], também advoga que a modificação substancial que envolva o objeto do contrato deve ser equiparada à celebração de um novo contrato, implicando novo concurso;
- O Acórdão Pressetext, de 19.06.2008, do T.J.C.E., substanciador de alguma interpretação dirigida à Diretiva n.º 92/50-C.E.E., reitera a necessidade de evitar práticas que conduzam à celebração de contratos públicos por tempo indeterminado, por incompatibilidade com as regras comunitárias e, sobretudo, por ofender o princípio da concorrência, realçando que as alterações introduzidas ao contrato público no decurso da sua vigência constituem uma nova adjudicação do contrato quando apresentem características substancialmente diferentes das contidas no contrato inicial e tendam à renegociação dos termos essenciais do mesmo;
Em anotação ao citado Acórdão denominado Pressetext, Pedro Gonçalves sublinha a importância de tal aresto, e, partindo do mesmo, escreve o seguinte:
«A partir de certa altura, torna-se evidente que a definição de limites ao poder de modificação do contrato não visa apenas a proteção dos interesses do cocontratante; os interesses da transparência e da objetividade, acautelados pelo procedimento de adjudicação da concessão, também poderiam ser colocados em causa pela ausência de limites ao poder de modificação. À medida que o direito regulador da adjudicação dos contratos se aperfeiçoava, destacando o valor da concorrência(4), tornava-se inevitável concluir que a modificação...não poderia permitir uma reconstrução do contrato inicial;
E, mais adiante, considera estarmos perante uma alteração substancial do contrato quando se introduzem condições que, a terem figurado no procedimento de adjudicação, teriam permitido proponentes diferentes e seleção de propostas diversas da inicialmente aceite;
2.2. No plano interno, a Constituição da República Portuguesa, nos seus artigos 266.º e81.º, considera incumbência prioritária do Estado assegurar uma equilibrada concorrência empresarial, e, mais particularmente, impõe aos utentes da Administração Pública a subordinação da atividade administrativa à prossecução do interesse público e a salvaguarda dos princípios da igualdade, proporcionalidade, justiça e imparcialidade.
Ainda internamente, regista-se, também, uma evidente dinâmica tendente a erguer a concorrência como um novo e autónomo critério de limitação à modificação dos contratos, acolhendo, assim, a orientação legislativa e jurisprudencial dos órgãos próprios da União Europeia e atrás demonstrada. E, na comprovação desse acolhimento, avulta a normação privativa da contratação pública, vertida, em especial, no Código dos Contratos Públicos [vd. artigos 311.º, 312.º, e 313.º].
2.3. O enquadramento normativo, doutrinário e jurisprudencial dos limites à modificação dos contratos públicos e a que vimos fazendo expressa referência já permite concluir o seguinte:
- A modificação [unilateral] dos contratos operada ao abrigo do artigo 180.º, do Código de Procedimento Administrativo [revogado pelo Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29.01], respeita apenas ao conteúdo das prestações, não se estendendo, assim, ao objeto do contrato;
- A modificação/alteração dos contratos, para além de radicar em razões de interesse público, não poderá afetar a preservação das prestações principais abrangidas pelo objeto do contrato e o correspondente equilíbrio financeiro [modificação considerada neutra para interesse económico dos outorgantes];
Ou seja, resta vedada a efetivação de alterações substanciais, entendendo estas como as que apresentam características essencialmente diversas das surgidas em contrato inicial, sugerindo, consequentemente, a existência de vontade em renegociar os termos essenciais do contrato;
- A modificação do contrato restará inviabilizada, caso configure uma situação que impeça restrinja ou falseie a concorrência garantida no âmbito do procedimento pré-contratual;
- Ainda que não previstas contratualmente, admitem-se alterações não substanciais aos contratos;
Sendo certo que os contratos administrativos são, à semelhança dos demais, para ser executados nos termos acordados [vd. o princípio «pactasuntservanda»], é assim, admissível, mas com naturais e apertadas restrições, a introdução de modificações à respetiva execução.
3. Do objeto do contrato e delimitação conceptual.
Para o encontro de uma decisão que, ajustadamente, conheça da alegação deduzida, e, mais particularmente, delimite o âmbito da modificação do contrato de concessão inicial, impõe-se, pois, o bom esclarecimento do conceito «objeto contratual». Exigência que, naturalmente, se suporta na invocada intangibilidade do objeto contratual e a que a lei [vd. artigo 180.º, do C.P.A., acima referido], a jurisprudência e doutrina se vêm reportando.
Procederemos, pois, ao esclarecimento de tal conceito.
3.1. Alguma doutrina(5) vem considerando que o objeto do contrato corresponde à atividade essencial [e inalterável](6) vertida no contrato. Só o conteúdo do contrato, constituído pelos modos peculiares técnicos e jurídicos da execução das prestações, seria alterável.
Acolhendo-se, de algum modo, àquela orientação doutrinária, o Código dos Contratos Públicos, no seu artigo 313.º, n.º 1, assume que o objeto do contratual é integrado por prestações secundárias e principais, sendo que estas últimas não podem ser alteradas.
O legislador não define, com suficiente clareza, o que entende por prestações essenciais [ou principais] ou secundárias, deixando, assim, ao intérprete [e, também, ao julgador] a densificação de tal conceito perante a factualidade disponível, ou seja, face ao caso concreto.
Entendemos, no entanto, que as prestações principais, porque imodificáveis e determinadoras da intangibilidade parcial do contrato, serão as munidas de aptidão bastante para decidir ou não da estabilidade contratual e que, uma vez alteradas, conduzem à subversão dos princípios da concorrência, igualdade e transparência, reais esteios do procedimento que conduziu ao contrato inicial. Para além disso, serão ainda prestações principais e integradoras do núcleo essencial do objeto contratual aquelas cuja descaraterização viole o interesse público concreto, que é causa e função do contrato.
Assim, e ao invés do sugerido pela entidade recorrente [vd. conclusão i., das alegações], o objeto do contrato não se reconduz a um mero «nomen», genérico e sem substância, mas é integrado por prestações essenciais ou principais, que, em nome do princípio da estabilidade dos contratos e dos demais princípios que informam a contratação pública e a própria atividade administrativa, não devem ser objeto de alteração ou modificação.
C. Alterações ao contrato de concessão inicial e eventual [i]legalidade.
Elencados os limites à modificação dos contratos públicos [razões de interesse público, respeito pelo objeto e equilíbrio financeiro, observância dos princípios que informam a contratação pública (concorrência, igualdade e transparência) e observância da legislação e jurisprudência comunitárias], importa agora aquilatar da [i]legalidade das alterações incidentes sobre o contrato inicial de concessão, materializada na denominada «renovação contratual» submetida à fiscalização prévia deste Tribunal.
Exercício a que procederemos, e que, necessariamente, obriga ao confronto do instrumento contratual sob fiscalização com os mencionados limites.
Salienta-se, ainda, que as alterações introduzidas no contrato inicial e que relevam para a apreciação em curso reportam-se:
- à prorrogação do contrato por 20 anos;
- à alteração do perímetro da concessão;
- ao plano de investimentos e, por último,
- a matéria relacionada com o modelo de partilha de riscos e receitas.
1. Da prorrogação do prazo de concessão.
Conforme decorre do instrumento contratual [renovação do contrato] sob apreciação, prorrogou-se o prazo do contrato de concessão inicial por um período de 20 anos.
Porém, deste último resulta que o prazo de concessão é de 10 anos [dez], embora se admita, por acordo das partes, uma ou mais prorrogações por períodos de dez [10] anos.
Previsão que, de resto, já constava do caderno de encargos do procedimento estruturador da formação do contrato.
A entidade recorrente sustenta que a prorrogação do prazo ora introduzida não viola o estabelecido contratualmente, nem as regras e princípios que norteiam a contratação pública, pois, afinal, trata-se, tão-só, de um prazo que já contempla duas prorrogações de dez anos e com previsão contratual.
Discordamos do sustentado pela recorrente.
Vejamos porquê.
1.1. Como bem se intui, a prorrogação do prazo contratual por 20 anos contraria, manifestamente, a previsão contida no contrato de concessão inicial e que apenas admitia a renovação por um ou mais períodos de dez anos.
Na verdade, e explicitando, a renovação por um ou mais períodos de dez anos significa que, decorrido cada período de dez anos, se impunha a intervenção de uma vontade expressa [dos cocontratantes] no sentido de eventual renovação por igual período, sendo que a ausência de tal impulso sempre ditaria o termo do contrato, por decurso do prazo de vigência.
Para além de entendermos que o ora afirmado constitui a interpretação e leitura corretas do clausulado contratual sob análise, estamos ainda convictos de que só o concluído se ajusta, indiscutivelmente, à salvaguarda do interesse público e, por inerência, aos princípios que, uma vez observados, geram uma contratação pública sem mácula.
Assim, e desde logo, a opção por um período de renovação contratual mais curto permite que o concedente consulte o mercado [marcadamente dinâmico] com acrescida frequência, o que, aliado à observância do princípio da concorrência, melhor assegurará a defesa do interesse público.
Enfim, razões de natureza literal e, até, teleológica, forçam-nos a concluir que a prorrogação do contrato por um período único de 20 anos, para além de contrariar e desvirtuar a previsão fixada contratualmente, potencia, ainda, um insuficiente acautelamento do interesse público.
1.2. Na senda do afirmado ao longo do acórdão recorrido, o alargamento do prazo contratual por 20 anos permite, também, o alinhamento das considerações, a saber:
- Confere-se à concessionária uma maior estabilidade e garantia de negócio;
- Impossibilita a concedente de, com maior frequência, consultar o mercado, e, assim, satisfazer a necessidade pública de modo mais vantajoso,
e, por último,
- Gera o afastamento alongado de empresas com expectativas de entrada no negócio, propiciando uma solução de continuidade que tende a incompatibilizar-se com a dinâmica do mercado e uma gestão viva e atuante.
As considerações enunciadas permitem asseverar que, afinal, a alteração do prazo contratual em causa não se perfila como «neutra» face aos interesses económicos da entidade ora concessionária e dos potenciais interessados.
1.3. Lembrando o aduzido em III.B., deste acórdão, matéria que damos aqui por reproduzida, afigura-se-nos claro que o prazo contratual substancia uma condição essencial [prestação principal] do contrato de concessão e, nessa condição, incorpora, até, o correspondente objeto contratual.
Coerentemente, a prorrogação contratual por 20 anos constitui, ela própria uma modificação/alteração substancial do contrato de concessão, e, nomeadamente, do seu objeto.
E porque o prazo de renovação se revela excessivo [o que contraria os princípios do direito comunitário - vd. III.B., deste acórdão] e não se prevê nos documentos que compõem o procedimento de formação do contrato inicial [e neste mesmo!], revela-se óbvia a violação dos princípios da concorrência, da igualdade, da transparência e da proporcionalidade. E, sem conceder, mas considerando os que advogam a aplicabilidade do artigo 180.º, do C.P.A., e onde se inclui a entidade recorrente, restaria, ainda, infringida a norma contida no artigo 180.º, alínea a), do citado Código de Procedimento Administrativo, em redação anterior à vigência do Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29.01.
2. Da alteração do perímetro de concessão.
No domínio do contrato sob análise prevê-se, ainda, o alargamento do perímetro de concessão, a traduzir-se na criação de três novas linhas, findo o prazo das atuais autorizações atribuídas pelo IMT a empresas do setor.
Tal alargamento prende-se com o transporte gratuito dos alunos do ensino obrigatório, ora garantido por carreiras locais já atribuídas e, futuramente, a eliminar.
A propósito, a entidade recorrente insiste em sustentar que tal alteração não induz a modificação do objeto do contrato, lembra que o reajustamento das linhas da concessão [incluindo a criação de novas linhas] já se preveem no contrato de concessão inicial, considera absurdo que a concessão não seja objeto de alargamento após 10 anos de contrato, e, por último, advoga que a alteração em apreço, traduzindo a normal evolução do objeto da concessão, torna dispensável a abertura de um novo procedimento concursal.
2.1. Tal como se enfatizou no domínio do acórdão recorrido, a delimitação e identificação do perímetro urbano afeto à concessão revela-se essencial na economia do contrato em causa, pois a concessionária detém aí a exclusividade da atividade que desenvolve ao abrigo da referida concessão.
Mostra-se seguro que o previsível alargamento do perímetro de concessão a zonas ora operadas por entidades empresariais de transportes, devidamente licenciadas pelo IMT, constituirá uma importante alteração da concessão, certamente com consequências sérias para a vida económica das empresas a preterir.
Acresce que a expansão da concessão contratualizada com a concessionária «CORGOBUS» ultrapassará os limites do perímetro urbano da cidade de Vila Real, efetivar-se-á após parecer prévio do Instituto da Mobilidade e dos Transportes [IMT] e iniciar-se-á findo o prazo de vigências das atuais autorizações.
A alteração programada não é, pois, «neutra» face aos interesses económicos de potenciais interessados e, obviamente, da atual concessionária.
2.2. A delimitação do perímetro de concessão, constituindo um elemento central do contrato de concessão, integra, assim, e na aceção jurídica desenvolvida em III.B., deste acórdão, o objeto do contrato em apreço.
Logo, a programada alteração do perímetro da concessão corporiza, sem equívoco, uma alteração substancial ao contrato inicial, e, consequentemente do seu objeto.
Nesta parte, e contrariando a entidade recorrente, entendemos, ainda, que a dimensão e delimitação do alargamento do perímetro de concessão ora contratualizadas não se prevê, inequivocamente, no contrato de concessão inicial, cujo clausulado fará supor que o reajustamento e criação das linhas teriam por escopo o perímetro urbano da cidade de Vila Real.
2.3. A dimensão e particularidade da alteração introduzida ao contrato de concessão inicial, com sérios reflexos nos planos social e económico, sugeria, pois, a consulta ao mercado mediante procedimento adequado, em ordem a selecionar-se proposta que, seguramente, melhor defendesse o interesse público.
O não seguimento desta via e o respetivo confronto com a orientação doutrinária e jurisprudencial citadas em III.B., deste acórdão, conduz, inevitavelmente, à violação dos princípios da concorrência, da igualdade, da transparência e da proporcionalidade.
E, não concedendo, mas relevando a orientação dirigida à aplicabilidade do artigo 180.º, alínea a), do C.P.A. [sustentada pela entidade recorrente], restaria, ainda, infringida a norma aí contida [com referência à redação anterior à vigência do Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29.01].
3. Do plano de investimentos.
Percorrendo o instrumento contratual sob fiscalização, e no que concerne ao plano de investimentos, a concessionária obriga-se a realizar novos investimentos até 2020 [frota e outros] e conforme as especificações técnicas incluídas em catálogo por si apresentados.
Segundo o acordado, e explicitando, a atual frota manter-se-á ao serviço por mais cinco anos, sendo que, em 2019, proceder-se-á à sua renovação.
Tal solução, no entendimento da entidade recorrente, prende-se com a necessidade de melhor rentabilizar a frota [duração previsível de 15 anos] e de ajustar a «vida» da mesma ao prazo de vigência da concessão.
Sublinhe-se, a propósito, que o período de vida útil dos autocarros previsto no contrato inicial se fixou em 10 anos, findos os quais a frota seria substituída integralmente por número idêntico de veículos e em estado novo. Previsão que já se anunciava na documentação do procedimento concursal que antecedeu o contrato.
Por outro lado, e segundo a Câmara Municipal de Vila Real, a subvenção anual a pagar à concessionária repercutirá a manutenção/investimento a realizar no sentido do prolongamento da vida útil da atual frota [sublinha-se que, nos termos do contrato de concessão inicial, o cálculo da subvenção a pagar pela concedente tinha em conta os valores da amortização].
3.1. A alteração introduzida ao contrato de concessão inicial e melhor explicitada em ponto que antecede integra, sem dúvida, uma prestação principal abrangida pelo objeto do contrato, assumindo-se, até, como condição essencial do mesmo. Trata-se, pois, de uma alteração marcadamente substancial.
Não é, pois, neutra para os interesses económicos de potenciais interessados, incluindo a empresa concessionária.
Frustrará, até, interessados que, a vislumbrarem tal alteração, teriam apresentado propostas no decurso do procedimento que confluiu no contrato de concessão inicial, e, também, eventuais concorrentes a uma nova adjudicação.
E, acrescente-se, tal alteração não se previa no contrato inicial da concessão e nos documentos concursais que lhe são anteriores.
3.2. Tal como se afirmou no acórdão recorrido, também se admite a razoabilidade da motivação que determina o acordo tendente ao prolongamento da vida útil da frota.
Porém, a opção tomada deverá conter-se em limites de ordem legal, jurisprudencial e principialista que regulam e disciplinam a matéria em apreço.
E, especificando, tais limites reportam-se à necessária preservação das prestações principais abrangidas pelo objeto do contrato, que, no caso em apreço, passará pela observância dos princípios da concorrência, da igualdade, da transparência e da legalidade, e, embora sem conceder, da normativa contida no artigo 180.º, alínea a), do Código do Procedimento Administrativo [considera-se, mais uma vez, a orientação que sustenta a sua aplicabilidade ao caso concreto].
4. Do modelo de partilha de riscos.
Como bem resulta da documentação disponível no presente processo, ao tempo da formação do contrato de concessão inicial, elaborou-se um sistema de equilíbrio e partilha de riscos, o qual, em situação desfavorável para a concessionária, previa a intervenção da concedente no sentido de garantir o equilíbrio do resultado operacional, sendo que, em situação de procura favorável, a concessionária, por sua vez, garantiria o necessário equilíbrio mediante uma renda variável a calcular nos termos aí previstos.
De todo o modo, e segundo o acordo aí estabelecido, em caso de rutura do equilíbrio económico-financeiro, a concedente indemnizaria a concessionária até ao seu restabelecimento.
A concedente obrigou-se, ainda, ao pagamento de uma subvenção anual [(euro) 458 814,13], atualizada anualmente de acordo com um índice de revisão aí caracterizado.
Nos termos do instrumento contratual em apreço, a subvenção anual foi fixada em (euro) 295 000,00, a atualizar a partir de 2014.
Por fim, o modelo de partilha de receitas e riscos assenta, agora, na bilhética, ao passo que o equilíbrio económico-financeiro da concessão radicava no pagamento de uma subvenção, cujo montante resultava da diferença entre os passageiros teóricos e comprometidos multiplicados por uma tarifa média de referência e a atualizar segundo fórmula própria.
4.1. O exposto em ponto que antecede evidencia uma alteração do modelo de fixação do equilíbrio, a que não é alheia a alteração da subvenção anual e da fórmula de fixação do índice de revisão, da receita anual de referência e das tarifas. Elementos que se revelam centrais na concessão.
A alteração verificada não é, assim, neutra para os interesses económicos dos potenciais interessados e efetivos proponentes no âmbito do procedimento prévio ao contrato de concessão.
Tal alteração não se previa no contrato de concessão inicial e não constava, ainda, das peças procedimentais que o precederam.
Assim contextualizada, e sem delongas, depara-se-nos uma alteração incidente sobre prestações principais ou essenciais do contrato, integradoras do correspondente objeto e cuja preservação se impunha.
A materialização de tal orientação induz, pois, a violação dos princípios da concorrência, da igualdade e da transparência, e, ainda, na consideração da sustentação da aplicação do artigo 180.º, do C.P.A. [redação anterior à vigência do Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29.01] mas sem conceder, a ofensa deste último.
5. Como se salientou, o instrumento contratual sob controlo deste Tribunal promoveu alterações ao contrato de concessão inicial que se estenderam ao prazo de concessão, ao perímetro da concessão, ao plano de investimentos e ao modelo de partilha de riscos e receitas.
Deste modo, tais modificações incidiram sobre matéria que constituía condição essencial do contrato de concessão inicial e que, sublinhe-se, lhe conferem identidade.
Deparam-se-nos, pois, alterações/modificações substanciais, indutoras de descaracterização de aspetos essenciais do contrato, e, inerentemente, do objeto do mesmo, sendo acertado concluir que estamos perante um novo contrato e não face a um contrato inicial meramente modificado. Dito de outro modo, entre concedente e concessionária estabeleceu-se uma relação contratual essencialmente nova, insuscetível de ser configurada como uma mera renovação do contrato.
Ora, como já afirmámos noutro passo deste acórdão, porque persistimos em considerar vigorante o princípio da intangibilidade do objeto do contrato [que abrange as denominadas prestações principais ou condições essenciais do contrato], o contraente público, no exercício do «iusvariandi» [unilateral ou consensual], poderá mudar o contrato, mas é-lhe vedado mudar de contrato, sendo ainda certo que pode alterar o objeto das prestações consideradas secundárias, mas não pode modificar as prestações principais integrantes do objeto do contrato.
D. Considerações finais.
Ao longo das alegações de recurso enfatiza-se que o acordo conseguido e vertido na denominada «renovação do contrato» sob apreciação enforma uma solução que, económica e financeiramente, beneficia o município de Vila Real, e, inerentemente, protege o interesse público. Daí que, prossegue a entidade recorrente, o princípio da concorrência, cuja violação se contesta, não deva prevalecer sobre o interesse público, sob pena de se trilhar a excessividade e ilegitimidade [via que, segundo o recorrente, o acórdão abre].
Ora, tal entendimento, produto de evidente e desmesurado pragmatismo, esquece que a proteção da concorrência tem vindo a consolidar-se como um novo e autónomo critério de limitação à modificação dos contratos público-administrativos, o que, vastamente, se demonstrou em III. B., deste acórdão, e decorre de legislação e jurisprudência comunitárias [consigna-se que tal orientação se inscreve também no Código dos Contratos Públicos em vigor - vd. artigo 313.º] já vigentes ao tempo da celebração do contrato de concessão inicial.
O entendimento propugnado subentende, ainda que, apesar das modificações operadas [incidente, de resto, sobre aspetos essenciais do contrato de concessão], consignarem, inequivocamente, uma forma de impedir, restringir ou falsear a concorrência, a entidade recorrente reitera a preferência pela negociação bilateral [município e concessionária], preterindo, assim, a consulta ao mercado [não acolhendo, até, uma solução alternativa sugerida pelo Departamento Administrativo e Financeiro e que passava pela abertura de concurso público para uma nova concessão - vd. fls. 80, deste processo].
Ao não vislumbrar vantagens na adoção da via concursal [suporte do princípio da concorrência], a entidade recorrente, para além de antecipar um juízo não ancorado em prova idónea e decisiva, inconsidera, ainda, que só o mercado livre e concorrencial seleciona os mais capazes e propicia os melhores preços, erguendo-se, assim, como um nobre objetivo da política económica(7) e um veículo privilegiado da defesa do interesse público.
Por último, e na sustentação do apelo à via concorrencial para a implementação da concessão, diremos, tão-só, que a entidade recorrente não poderá, no presente, garantir que as condições contratuais alcançadas e constantes do presente instrumento contratual não viriam a ser conseguidas através de outras propostas, caso a aquisição dos serviços em causa fosse submetida à concorrência [através da via concursal].
IV. Das Ilegalidades e o Visto
1. A «renovação» do contrato em apreço operaria por 20 anos e atinge o valor de (euro) 8 161 446,00.
Como já se afirmou ao longo do acórdão, não só a referida renovação do contrato incide sobre prestações principais ou aspetos essenciais do contrato inicial de concessão [e integradoras do objeto contratual], como as modificações implementadas resultam de acordo firmado entre o município de Vila Real [em rigor, a Câmara Municipal de Vila Real] e a concessionária «CORGOBUS» e não de algum procedimento concursal/concorrencial.
Por outro lado, muito embora se admita [vd. artigo 31.º, n.º 3, do C.C.P.] o recurso ao ajuste direto para a formação de contratos de concessão de serviços públicos, a opção por tal via pressupõe a existência inequívoca de razões de interesse público relevante que o justifiquem e a clara observância dos princípios da concorrência, igualdade, proporcionalidade e transparência.
Pressupostos não acautelados no caso em apreço.
Do exposto resulta, assim, infração ao prescrito nas Diretivas n.os 2004/18/CE e 2004/17/CE, a inconsideração das orientações contidas nas Comunicações Interpretativas da Comissão n.º 2008/C 91/02 e 2000/C-121/02 e a violação do disposto nos artigos 4.º e 5.º, do Código do Procedimento Administrativo [que atenta nos princípios da igualdade e da proporcionalidade], dos artigos 266.º e 81.º, alínea f), da Constituição da República Portuguesa [que incide sobre os princípios da igualdade, da proporcionalidade e da concorrência].
2. Conforme este Tribunal vem decidindo, a ausência de procedimento concursal/concorrencial, obrigatório no caso, gera a falta de um elemento essencial da adjudicação, sendo indutora da respetiva nulidade [vd. artigo 133.º, n.º 1, do C.P.A.], que se transmite ao contrato.
Como é sabido, a nulidade funda a recusa do Visto - vd. artigo 44.º, n.º 3, alínea a), da Lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas.
E, a entender-se que, em razão da norma contida no artigo 283.º-A, do C.C.P., a ausência do procedimento legalmente exigido conduz apenas à anulação, ainda assim, a via procedimental seguida configura uma ilegalidade suscetível de alterar o resultado financeiro do contrato. E esta alteração, ao abrigo do artigo 44.º, n.º 3, alínea c), da L.O.P.T.C., também constitui fundamento de recusa do Visto.
V. Decisão
Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os Juízes do Tribunal de Contas, em Plenário da 1.ª Secção, o seguinte:
- Negar provimento ao recurso e, em consequência, manter a recusa do Visto à renovação do contrato de concessão identificado em I.1.
São devidos emolumentos legais [vd. artigo 16.º, n.º 1, alínea b), do Regime Jurídico dos Emolumentos do Tribunal de Contas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 66/96, de 31 de Maio].
Registe e notifique.
(1) Vd. Laubadère, in Traité Elementaire de Droit Administratif.
(2) Vd. Requiem pelo Contrato Administrativo, págs. 130 e segs.
(3) Dissertação, na Universidade Católica, de João Pedro Coutinho sobre limites à modificação do contrato administrativo.
(4) Sublinhado nosso.
(5) Vd. Freitas do Amaral e Mário Esteves de Oliveira.
(6) Vd. Dissertação referida em nota 3.
(7) Vd. L. Cabral Moncada, Direito Económico, 5.ª ed., pág. 486.
Lisboa, 9 de julho de 2013. - Os Juízes Conselheiros: Alberto Fernandes Brás (relator) - Helena Maria Ferreira Lopes - Manuel Roberto Mota Botelho.
Fui presente.
O Procurador-Geral-Adjunto, José Vicente.
207270782